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Fact Check Madeira

Será que a impermeabilização dos solos potencia as inundações na Madeira?

Foto Octávio Passos/Aspress
Foto Octávio Passos/Aspress

O arquitecto e designer de interiores Giano Gonçalves recorreu à sua página do Facebook para manifestar a sua indignação com a construção de um edifício na margem de um(a) ribeiro(a) na Madeira, em que aparentemente o betão ocupa todo o terreno disponível, sem espaços ajardinados ou área permeável. “É esta a porcaria que querem deixar às próximas gerações e aos vossos netos”, questiona. Nos comentários à publicação, há duas pessoas que dizem que a impermeabilização do solo potencia as consequências negativas das enxurradas, como as inundações. Será mesmo assim?

A Agência Europeia do Ambiente define a impermeabilização do solo como a destruição ou a cobertura do solo por um material impermeável, como acontece com as construções de casas e edifícios e pavimentações de estradas. É uma das principais causas da degradação dos solos na União Europeia e afecta frequentemente as terras agrícolas férteis, pondo em risco a biodiversidade. Agrava igualmente o risco de inundações e cheias em períodos de precipitação intensa, pois há menor área para a infiltração da água no solo. Além disso, contribui para a escassez de água e para o aquecimento global. Os períodos de temperaturas elevadas e seca, que resultam em ondas de calor, têm efeitos adversos nas áreas urbanas, que absorvem mais radiação devido às edificações e asfalto, intensificando o efeito de ilha de calor. Desde meados da década de 1950, a superfície total das cidades da União Europeia aumentou 78%, o que contribuiu grandemente para a impermeabilização dos solos e para os seus impactos negativos.

Uma abordagem a este problema, relacionando-o ao arquipélago da Madeira, foi feita pelos Professores Carlos Borrego, Myriam Lopes, Helena Martins e Ana Isabel Miranda, da Universidade de Aveiro. Num artigo publicado em 2014 na revista da Ordem dos Engenheiros, estes especialistas referem que o risco de cheias e inundações, associado a períodos de precipitação intensa, aumenta nas zonas urbanas devido ao maior índice de impermeabilização dos solos que resulta das construções e pavimentação dos solos. O risco é tanto maior quanto maior for a densidade populacional e de edificações e menor a densidade de áreas verdes (parques, jardins) e azuis (lagoas e riachos), que aumentam a capacidade de infiltração dos solos e a evapotranspiração. A este respeito, citam o exemplo do temporal e das cheias ocorridos na Madeira em 20 de Fevereiro de 2010, de que resultaram 47 mortos, quatro desaparecidos, 250 feridos e 600 desalojados, e que foi responsável por prejuízos na ordem dos 1.080 milhões de euros.

O assunto tem sido recorrentemente abordado na Madeira e alvo de alertas. Em artigo técnico publicado no DIÁRIO em Março de 2010, os Professores João Baptista, Fernando Almeida e Celso Gomes constatavam que muitas das bacias de recepção hidrográfica e canais de escoamento da Madeira não possuíam área suficiente para fazer uma drenagem adequada das chuvas torrenciais, como as que ocorreram de 28 para 29 de Outubro de 1993 e a 20 de Fevereiro de 2010. “Ficou bem patente que a crescente construção na baixa do Funchal tem vindo a danificar o património edificado, representando um perigo crescente face à possível ocorrência de novas cheias. Por isso, a ocupação do subsolo deve estar limitada ao essencial”, referiam os especialistas. Recordando argumentos já apresentados num artigo publicado no DIÁRIO em Outubro de 2005, os mesmos técnicos explicavam que o seu “objectivo principal [era] alertar as entidades competentes para um conjunto de situações que vêm sendo observadas a nível do ordenamento do território e que podem potenciar eventuais riscos naturais (como é o caso das cheias) por efeito da progressiva ocupação e impermeabilização do solo e do subsolo que tem ocorrido na baixa citadina do Funchal ao longo das duas últimas décadas, bem como para as implicações que essas mesmas situações estão a causar no património edificado”. Não pretendiam “travar o desenvolvimento do concelho, que conta com cinco séculos de história, mas alertar para o impacte negativo de algum planeamento e desenvolvimento urbanístico”.

Haverá várias interpretações sobre o efeito prático destes alertas. O que se sabe é que uma das orientações da última revisão do Plano Director Municipal (PDM) do Funchal, que teve lugar em 2018, visou o “aumento de edificabilidade em algumas categorias do solo rústico e do solo urbano de forma a aproximá-la da ocupação existente e salvaguardando as questões de permeabilidade do solo”. O índice máximo de impermeabilização permitido pelo PDM é de 75% do terreno e destina-se a espaços de actividades económicas e áreas de equipamentos estruturantes e infraestruturas. Em áreas de média e alta densidade de construção, é de 70%. No entanto, nalguns casos é permitido a ultrapassagem destes limites, designadamente se tal “garantir uma melhor integração urbanística dos novos corpos edificados na envolvência e preservação das características e imagem dominantes do local”.

Em resumo, é verdade que a excessiva impermeabilização dos solos é um factor que potencia as inundações em períodos de elevada precipitação nalgumas zonas da Madeira.

Ao se deixar o "solo todo selado com betão" e sem espaços ajardinados estamos a potenciar as consequências das chuvadas, como as inundações - Comentários no Facebook