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Crónicas

Das Eleições passadas e das Eleições futuras

1.   No recente cenário eleitoral, testemunhámos um desenvolvimento intrigante, mas que mais não faz do que refletir as complexas dinâmicas políticas contemporâneas. Um partido populista teve uma votação nunca vista, um resultado que é indicativo de uma onda crescente de descontentamento do eleitorado relativamente ao sistema vigente. O fenómeno não é isolado, nem meramente circunstancial, mas sim um sinal de mudanças profundas no tecido político e social.

Um dos aspetos mais notáveis deste fenómeno foi a mobilização de um número significativo de abstencionistas, que anteriormente optavam por não participar no processo eleitoral, mas que desta vez se dirigiram às urnas para expressar a sua revolta. Porque é disso que se trata. Há mais de um milhão de portugueses que estão chateados, que não se revêm no que a política tradicional tem para lhes dar.

Adicionalmente, observou-se uma transferência de votos, surpreendentemente significativa, dos eleitores tradicionalmente alinhados com o Partido Socialista, que perdeu na Madeira mais de dez mil votos, e estes tiveram de ir para algum lado. Se outros subiram na mesma proporção…

Este movimento de votos reflete uma complexa intersecção de insatisfações e anseios, sugerindo que as questões que motivam o eleitorado a apoiar soluções populistas transcendem as divisões políticas tradicionais.

A ascensão do Chega, ao se caracterizar pelo apoio numa retórica nacionalista, de tudo prometer e um queijo e ser antissistema, sugere que uma porção significativa da população se sente alienada pelas políticas e abordagens dos partidos tradicionais. Muitos encontram-se desiludidos com uma elite política distante, que não responde adequadamente às suas preocupações diárias, como a segurança económica, a identidade nacional, a corrupção e os efeitos da globalização.

Este descontentamento não surge no vácuo. É alimentado por uma desigualdade crescente, por sucessivas crises económicas que deixaram muitos para trás e pela sensação de que a globalização beneficiou, desproporcionalmente, só alguns. Como resposta, o Chega apresenta-se como a voz do "povo esquecido", prometendo restaurar a soberania nacional, controlar a imigração, combater a corrupção e proteger os empregos.

É fundamental sublinhar que esta ascensão não é meramente o resultado de promessas populistas ou campanhas carismáticas. Reflete um desafio profundo ao consenso político tradicional e sugere um anseio por abordagens políticas que se afastem do actual estado de coisas. Esta realidade impõe uma reflexão crítica sobre a capacidade do sistema político existente de se adaptar e responder às necessidades da população.

O terceiro lugar alcançado pelos populistas nestas eleições, juntamente com a notável mobilização dos abstencionistas e a surpreendente transferência de votos dos socialistas para a extrema-direita, não deve ser visto apenas como um resultado eleitoral, mas como um sintoma de um mal-estar mais amplo que tem de ser abordado. A resposta a este desafio não é simples nem direta, exigindo um diálogo político mais inclusivo, políticas que promovam efetivamente a justiça social e um compromisso renovado com os valores fundamentais da democracia liberal. É imperativo que os partidos tradicionais democráticos trabalhem para reconstruir a confiança nas instituições, fomentando uma cultura de debate saudável, de “nuance” e de compromisso político que possa verdadeiramente responder às aspirações e preocupações de todos.

2.   Conversa entre um populista e a democracia.

Democracia: Vejo que chegou com muitas promessas e frases fortes e profundas. Mas deixe que lhe diga que a verdadeira força reside na diversidade e no debate aberto.

Populista: Diversidade? Debate? Essas são palavras vazias que apenas atrasam o progresso. O que as pessoas realmente querem é ordem, segurança e a promessa de um futuro próspero, tudo garantido por uma mão firme, um Estado forte e interventivo e não por um regime indeciso.

Democracia: Mas não vê que a força de uma sociedade reside na sua capacidade de ouvir todas as vozes, não apenas as que reproduzem a sua visão das coisas? É através do debate e da compreensão mútua que encontramos soluções duradouras para os desafios que enfrentamos.

Populista: Ouvir todas as vozes? Isso é uma receita para o caos. As massas precisam de direcção, não de opções que só as confundem. Ofereço clareza e decisão, algo que a sua democracia, aparentemente, não consegue fornecer.

Democracia: A clareza que oferece é uma ilusão construída sobre a exclusão e o medo. A verdadeira clareza vem da compreensão de que a nossa força como sociedade vem da nossa diversidade, não apesar dela. A democracia é resiliente porque se adapta e evolui incluindo todos, não exclui nem silencia ninguém.

Populista: Evolui? Ou dilui-se até perder toda a identidade e força? Olhe ao seu redor, as pessoas estão cansadas de esperar que as suas vidas melhorem enquanto os que estão no poder passam a vida envolvidos em debates infinitos. As pessoas querem acção, querem resultados, e nós somos os únicos que lhes podem dar isso.

Democracia: Acção sem reflexão e sem consideração pelas vozes de todos é tirania disfarçada de eficiência. Os resultados que promete podem parecer atraentes no curto prazo, mas a longo prazo, o custo é a nossa liberdade, a nossa capacidade de escolha e a nossa dignidade colectiva. A democracia pode ser lenta, mas é o preço que pagamos pela liberdade e justiça para todos.

Populista: Essa sua liberdade é um luxo. A ordem e a segurança são as verdadeiras bases da prosperidade.

Democracia: Entendo os seus medos e as suas preocupações. Vê esta praça? Foi palco de inúmeras conversas, debates e até de confrontos. Mas, no final, foi o lugar onde a liberdade encontrou a forma de se expressar, onde a vontade encontrou o caminho para o progresso.

Populista: E o que é que isso prova? Que as pessoas gostam de falar?

Democracia: Mais do que isso. Prova que, mesmo nas horas mais sombrias, a voz do povo, em toda a sua diversidade, tem o poder da claridade. A verdadeira força reside na capacidade de dialogar, de encontrar o meio-termo, de construirmos juntos o futuro.

Populista: E se esse diálogo levar a nada? E se apenas perdermos tempo enquanto os problemas se acumulam? Não é isso o que temos visto à exaustão?

Democracia: O diálogo, acompanhado da reflexão, leva à inovação, à solução de problemas usando novos modos que nunca conseguiríamos imaginar sozinhos. A história mostra-nos que os maiores avanços surgem da colaboração, não da imposição. Houve erros, houve desvios, mas conseguimos sempre encontrar o caminho certo. Porquê? Porque a democracia, na sua essência, é resiliente. Permite a correção, a reinvenção. É alimentada não pelo medo, mas pela esperança, pelo acreditar. O "melhor" não pode ser alcançado à custa da liberdade e da diversidade. O "melhor" é um futuro onde todos têm voz, onde cada pessoa pode viver sem medo, contribuir e prosperar. Isso só é possível quando construímos pontes, não muros. A beleza da democracia é que ela tem sempre espaço para mais uma voz, incluindo a sua.

3.   Com toda a franqueza, não creio que Miguel Albuquerque, se vencer a liderança do PSD, leve Marcelo Rebelo de Sousa a não convocar eleições regionais antecipadas. Por outro lado, Manuel António expressou claramente que deseja ser legitimado por eleições, caso saia vitorioso da contenda interna. Ou seja, vamos para eleições regionais antecipadas.

Continuamos imersos numa crise política. A governança regional está debilitada, deixando os cidadãos da Madeira num estado de incerteza e preocupação. A operação dirigida contra as principais figuras do PSD Madeira lançou dúvidas sobre a sua integridade e revelou as vulnerabilidades do sistema político da região.

As acções do Representante da República, a que se soma a indecisão do Presidente — ora mantendo Albuquerque no cargo, ora aceitando a sua demissão —, ampliaram a sensação de desordem e instabilidade. Esta indefinição enfraqueceu a confiança nas instituições e alimentou um ambiente de desilusão e cepticismo.

A Assembleia Regional, que deveria ser o bastião da autonomia, e onde reside a verdadeira autoridade eleita, optou por ignorar a crise, agindo como se nada se passasse.

A campanha eleitoral e as eleições legislativas nacionais travestiram-se numa fachada de democracia, numa encenação que ignorou os verdadeiros problemas da Madeira, privilegiando as usuais manobras de poder e egocentrismo, para além de discussões estéreis e, muitas das vezes, sem sentido. A autonomia tornou-se refém de egos, caprichos e populismo.

É imperativo restabelecer a confiança nas instituições e devolver a voz ao povo. Mais do que uma simples troca de liderança, é necessário virar a página e iniciar um novo capítulo na política da região, pautado pela transparência, pela ética e pela responsabilidade.

Os madeirenses merecem um governo que não esteja mergulhado em suspeitas, que seja honesto, transparente e eficaz. Um governo capaz de enfrentar os desafios que se avizinham e de construir colaborativamente um futuro promissor para todos.

Precisamos de deixar de governar pela superficialidade e combater os problemas profundos que minam a democracia e a Autonomia. Chegou o momento de agir, de exigir mudanças e de fazer valer o nosso voto.