A creativa aritmética de esquerda
Eu cresci a ver os empolgantes congressos políticos do PS e do PSD na televisão. Podia-me ter dado para outra coisa mas deu-me para aí. Lembro-me de saber os nomes de todas as caras conhecidas, tipo caderneta e de tentar adivinhar as tendências daqueles eventos que fervilhavam por todo o lado e impunham respeito. Eram outros tempos. Mas já nessa altura também me recordo de que no fim de cada eleição não havia derrotados. Existia sempre uma explicação positiva para os resultados e assim é até aos dias de hoje. O PCP por exemplo está quase a desaparecer mas conseguiu arranjar no facto de alguma sondagens ainda lhes darem menos percentagem do que tiveram, um factor de crescimento e de vitalidade. Acredito que alguns políticos acham que nós devemos ser todos parvos. Mais ou menos como no futebol. Há por aí treinadores que teimam em elogiar uma equipa que toda a gente vê que não joga a ponta de um chavo. Na política é mais grave ainda porque são os nossos representantes e que melhor maneira de começar um mandato do que logo a mentir. Tornou-se a certa altura tão evidente que as pessoas já nem ligam.
Estas eleições Legislativas que tivemos recentemente são o espelho disso também. Ora, das dezenas de partidos que concorreram, partidos esses que se encontram legalizados pelo Tribunal, assistimos a uma viragem histórica à direita. Como o resultado não satisfez a esquerda, agora as contas são outras. Elimina-se o Chega que é anti-democrático, volta a baralhar-se e dá-se de novo até ganharem os de sempre. Porque o PS com o BE, a CDU, o PAN e o Livre têm mais votos do que a soma da coligação AD mais a IL, acham-se no direito de reclamar vitória passando uma esponja em mais de um milhão de portugueses. Mas isto cabe na cabeça de alguém? Ou cabe na cabeça de alguém considerar que quem votou no Chega é inimputável ou contra a democracia? Há uma certa parte da sociedade que se habituou a achar que o que é democrático é o que eles defendem e tudo o resto é fascismo. Ainda não perceberam nada do que se está a passar no nosso país. Vivem numa bolha das pseudo elites de esquerda e não se aperceberam que o país mudou.
Goste-se ou não, habituem-se que o Chega veio para ficar. Se eu voto no Chega? Não, de todo, mas não sou a favor de cercas sanitárias nenhumas. Quem são os políticos para irem contra a vontade do povo? O problema do PSD mais cedo ou mais tarde será esse. Ainda não se aperceberam que do outro lado não há linhas vermelhas e continuam a ir na cantiga. O Chega só se poderá esvaziar quando for governo e as pessoas perceberem que o que eles prometem não é exequível, até lá terão o seu lugar bem sólido no espectro politico nacional. Eu sou da opinião que o partido de André Ventura não é fascista nem tão pouco de extrema direita, aliás ele veio do PSD. São populistas que adequam o seu discurso à voz do povo. Pouco importa se entram em incoerência nesta ou naquela matéria. É o voto da revolta, contra o status quo que tantas vezes alimentou a esquerda mais radical. Quanto mais os nossos iluminados comentadores televisivos vociferarem contra eles maior será o seu crescimento. A respeito de comentadores, se alguém ousasse catalogar os deputados do Bloco ou do Partido Comunista como “bonecos das Caldas” o que se levantaria em Portugal.
Em breve chegará o tempo em que o PSD perceberá que não consegue governar se não federar todos os votos à direita como faz a esquerda. E para isso não precisará de tomar atitudes racistas, ou de aceitar a xenofobia. Em Portugal neste momento existem dois blocos e assim continuará nos próximos tempos. Se Montenegro não contar com o Chega deixa de contar com parte do seu bloco. Essa tem sido aliás a dialética da esquerda. Como o resultado não foi favorável vamos tirar o Chega e contar outra vez. Que bela aritmética. Percebam de uma vez por todas que as pessoas estão cansadas de pagar impostos e mais impostos e não terem serviços públicos de qualidade, estão fartas de ser pobres. O Chega não inventou a roda, simplesmente deu eco à desilusão dos portugueses. Essa desilusão já cá estava em cada um de nós. Como diz o outro, aceitem que dói menos.