O bom, o mau e a lapa
Ultrapassada a prova eleitoral, caberá ao PSD governar o país entre a espada do PS e do Chega, e a parede das eleições antecipadas
Tornou-se um clássico das noites eleitorais. Uma hora antes dos resultados eleitorais, anunciam-se os números da abstenção. Era a acalmia antes da tempestade. O breve momento em que o coro partidário carpia em uníssono a morte lenta da democracia. Até que, em 2024, as lágrimas transformaram-se em palmas. 6 milhões de votantes, mais 745 mil votos do que em 2022. A maior participação eleitoral desde 1995. O consenso foi sol de pouca dura. Se à tarde todos aplaudiram a queda da abstenção, muitos acabariam a noite a lamentar os resultados que essa queda provocou. Para alguns, a democracia só funciona quando é a esquerda a ganhar.
O bom: Luís Montenegro
Pífia. Curta. Frágil. Foi assim a vitória eleitoral da Aliança Democrática no passado Domingo. Basta ter em conta que a AD de Montenegro elegeu apenas mais 7 deputados do que Rio, sem coligação, em 2022. Ainda assim, por mais raquítico que tenha sido, o triunfo de Montenegro, impensável há dois anos, era uma prova de vida ou morte para o centro e para a direita moderada, especialmente para o PSD. Não é possível a um partido de governo, como é o PSD, ficar uma década afastado da governação. A lenta erosão dos seus quadros políticos ser-lhe-ia fatal. Ultrapassada a prova eleitoral, caberá ao PSD governar o país entre a espada do PS e do Chega, e a parede das eleições antecipadas. Julgo que Montenegro começou bem. Repisou o “não é não” ao Chega - qualquer recuo seria um suicídio político - e empurrou o peso da ingovernabilidade para cima do PS. Por taticismo político, o PSD conta, para já, com o beneplácito dos socialistas, apostados em não se assumirem como responsáveis pela instabilidade que resultaria da queda precoce de um governo. No entanto, Pedro Nuno Santos já foi avisando – por agora passa o Governo, mas não passará o Orçamento. Será ali, no grande banquete orçamental, que tudo se precipitará. O PSD tudo fará para aprovar o documento, sem que, a esse custo, faça do Chega o seu interlocutor principal. O Chega estará preocupado em evitar um alinhamento com o PS no chumbo orçamental, que levaria à inevitável queda do governo do PSD. Por razões diferentes, até opostas, PSD e Chega têm tudo a ganhar com a aprovação do Orçamento. Será esse campo minado que Montenegro terá de percorrer.
O mau: Partido Comunista Português
Não morreu, mas encontra-se em estado vegetativo. No último Domingo, o PCP sofreu um violento embate frontal com as urnas de voto. Poder-se-ia pensar que o acidente eleitoral, traduzido na perda de dois deputados e de mais de 30 mil votos, seria circunstancial. Uma viragem dos eleitores à direita. Desenganem-se, camaradas. A culpa não é de Paulo Raimundo, dos preconceitos anticomunistas ou da agenda oculta do grande capital. Nem os olhos doces de João Ferreira salvariam o PCP da sua lenta e penosa descida à irrelevância. Tudo porque a irrelevância dos comunistas não é eleitoral, é ideológica. O mundo mudou e o PCP ficou para trás, perdido num monólogo anacrónico que continua a ver o diabo na economia liberal e a descobrir fantasmas no imperialismo americano. Basta ler a análise do Comité Central aos resultados das últimas legislativas, para perceber o quão alheados da realidade estão os comunistas. Num fastidioso comunicado, a nata comunista explica que o resultado eleitoral foi “uma expressão de resistência” e que se justifica “pela continuada falsificação de posicionamentos do PCP”. A partir daqui tudo é politicamente possível. Até acenar com uma moção de rejeição a um governo cujo programa não se conhece, e que, aliás, ainda nem tomou posse. É mais do que pôr a carroça à frente dos bois. É estar apeado e nem sequer saber como anda a carroça.
A lapa: Paulo Cafôfo
Não há duas derrotas iguais. Para falar da que sofreu Paulo Cafôfo, importa visitar a que calhou a Pedro Nuno Santos. O secretário-geral do PS, por tática ou convicção, perante a evidente censura dos eleitores e a, ainda que menos clara, derrota eleitoral, escolheu o caminho mais digno. Assumiu o que muitos teriam feito prolongar pelos próximos dias e traçou um caminho claro para o partido. O PS será líder da oposição e é lá que se reconstruirá politicamente. É óbvio que PNS perdeu nas urnas, mas quem o ouviu a assumir a derrota poderia confundi-lo com um homem aliviado por poder começar do zero. Tudo ao contrário do que se passou com o PS na Madeira. Uma derrota de maior dimensão, a perda de um deputado (quase dois) e o enxovalho de perder o 2º lugar para o Chega em vários concelhos. Perante a catástrofe eleitoral, surgiu no palanque socialista um líder acabrunhado, por vezes até desconexo, a ficcionar um mundo de justificações para o que lhe tinha acabado de acontecer. O naipe incluiu uma onda de direita, o mau resultado do PS a nível nacional e a crítica dos eleitores à governação socialista. A mesma pessoa que tinha apelidado a lista adversária de fraca. Enquanto Paulo Cafôfo esbracejava para se manter à tona, muitos questionavam se o líder do PS não saberia da incerteza dos resultados eleitorais nacionais ou se Cafôfo já se teria esquecido que tinha feito parte do governo nacional que agora usava como desculpa. Mais impressionante do que a derrota, só a evidente conclusão que Cafôfo alapou-se à liderança do PS e que será, a todo o custo, candidato nas próximas regionais. Isso significa que o seu projeto deixou de ser por uma alternativa política e passou a ser de sobrevivência pessoal.