Sicília: O porto da esperança
Recentemente retornei da Sicília, no marco de uma viagem de trabalho, onde tive a oportunidade de testemunhar em primeira mão a realidade migratória de uma ilha onde chegam, principalmente por via marítima, milhares de migrantes provenientes das costas tunisinas e de diversos países africanos.
As ilhas na Europa desempenham um papel crucial no contexto da chegada de migrantes. Devido às suas localizações estratégicas as ilhas tornam-se pontos de entrada e trânsito para migrantes em busca de segurança e oportunidades. Embora a Madeira e a Sicília sejam ambas ilhas e arquipélagos, os cinco milhões de habitantes da ilha italiana as distinguem de maneiras singulares.
Em 2023, o número de migrantes que alcançaram as costas italianas aumentou em 50% em comparação ao ano anterior, com um total de 155 mil chegadas. Como parte das medidas adotadas para lidar com a atual crise migratória, a Itália promulgou o Decreto Cutro, transformado em lei em maio de 2023. Esta legislação visa restringir o uso do “estatuto de proteção especial” destinado a pessoas que não se enquadram nos critérios para receber o estatuto de refugiado conforme estabelece a União Europeia. Um decreto que coloca em xeque-mate a proteção dos direitos humanos dos migrantes que chegam à Itália.
Fomos conhecer de perto o trabalho realizado pelo Centro Astalli, uma instituição de acolhimento e integração gerida pelo Serviço Jesuíta aos Refugiados. O diretor do centro, Emanuele Cardella, ressaltou os desafios crescentes devido à redução dos recursos financeiros por parte das entidades governamentais. Apesar dessas limitações, o centro continua a oferecer, através do trabalho de pessoas voluntárias, um amplo leque de serviços, incluindo cuidados médicos, apoio psicológico, refeições, aulas de italiano e formação em diversos ofícios, tais como carpintaria e culinária. Cardella destacou que a melhor estratégia de integração é unir as pessoas ao redor de uma mesa porque “a comida é uma linguagem universal”.
O vice-presidente italiano e líder do partido de extrema-direita Liga, Matteo Salvini tomou a decisão de retirar a palavra “migração” dos organismos públicos, como uma forma de banir um fenómeno que requer medidas concretas e urgentes. Estas linhas escrevem-se no rescaldo das eleições legislativas em Portugal, onde a extrema-direita conseguiu mais de um milhão de votos. Um partido com uma linha marcadamente anti-imigração. Não usemos o voto castigo para punir aqueles que como nós, madeirenses, partimos em busca de uma vida melhor. É imperativo reafirmar o nosso compromisso de solidariedade e democracia.