Quem vota comigo?
A relação traz ao de cima o que temos de melhor e de pior, o que temos de mais maduro e de mais imaturo. Pode ser de um atrevimento e de uma impiedade quase desumana no que toca a trazer à superfície a nossa vulnerabilidade. Só que é na relação que reside a solução
“Eles não fizeram nada! Nada por mim, nada pelo País! Estes, vão fazer!” É o que mais ouço de eleitores que assumem ter votado nos partidos das extremas. Pessoas que não querem gravar entrevista, ou fazer diretos, por “receio de represálias”, dizem-me.
Dissecando um pouco o “eles não fizeram nada!” e investigando as necessidades na raiz desta expressão o que é que conseguimos perceber? Bom, perdeu-se a conexão, a identificação e a sensação de segurança, de pertença. Perdeu-se a sensação de se sentir escutado, representado e reconhecido pelo outro. Parece que, afinal, já não fazem parte da vida um do outro. Eleitor e partido.
Parte deste movimento é totalmente natural. Existe uma necessidade (biológica) de desapego, mas isso não quer dizer desvinculação. Ou, pelo menos, não deveria significar isso.
O problema é que o foco dos partidos (sim, é uma generalização), parece-me que tem estado muito afastado da criação de uma relação saudável e sustentável com a sua família, com os seus eleitores, com os opositores. E sobretudo, com os seus valores, missão e visão. Tem estado afastado da escuta. Habituaram-se a contactar as populações apenas em contexto de campanha eleitoral, e muitos, já nem a isso se prestam. Quando o foco deveria estar na relação. E a relação acontece em várias frentes. Acontece onde o outro está.
Tal como na parentalidade, a intenção de gerar uma boa relação (uma relação saudável) é a ‘fórmula’ para educar, guiar os nossos filhos, no mundo político, que é por excelência um mundo de relações, a fórmula é exatamente a mesma.
Numa boa relação, numa relação saudável, as crianças, os jovens, os adultos querem colaborar. Numa boa relação, numa relação saudável, a criança, o jovem e o adulto cresce, aprende a tratar os demais com igual valor, respeita a sua própria integridade (sabe dizer não – em consciência - a demonstrar os seus limites com respeito) e a integridade dos outros (respeitando os nãos e os limites de todos), vive em e com autenticidade, assume a sua própria responsabilidade pessoal e daí, é um passo a assumir responsabilidade social e coletiva. E para que tudo isto seja possível, é urgente saber criar bons encontros, desde as bases. E esses, não são criados com ameaças, gritos, castigos, palmadas, subornos e recompensas.
Resumindo, só quando nutrimos bons encontros, estamos, de facto, a nutrir a autoestima, a compaixão, a empatia, o respeito, a autenticidade, a honestidade, a confiança, a segurança….
E tal como a principal ilusão dos pais de hoje (e de sempre) é acreditarem que conhecem de facto, quem são os seus filhos, sem se conhecerem a eles próprios primeiro, nos partidos acontece o mesmo. Líderes que acham que conhecem o povo, esquecendo-se que eles próprios, são o povo e que devem começar o trabalho de casa, de dentro para fora. E é pena, porque sem nos conhecermos, não podemos criar encontros autênticos. Sem entendermos a influência que o nosso passado, a nossa história, têm na forma como agimos hoje, não podemos gerar e influenciar positivamente o nosso futuro. É bom lembrar que no núcleo dos nossos desejos e vontades, movem-se, sem vigilância, crenças e expetativas inconscientes sobre o que deveria estar a acontecer - e nem damos conta delas mas estão cá a imiscuir-se nos nossos pensamentos, sentimentos e comportamentos. É que o que nos magoa profundamente na verdade não é o momento presente, tem muito mais a ver com o que ficou registado no inconsciente como sendo inadmissível, como sendo uma ameaça à nossa sobrevivência a evitar a todo o custo. E é por isso que, a quem defende os direitos humanos e a inclusão, soa estranho e arrepiante ver votações elevadas nas extremas. Embora, também se saiba, por exemplo, que as vozes dos nossos pais e adultos de referência, que inicialmente são externas, por assimilação e ‘esquecimento’ transformam-se em vozes internas. Vozes internas a quem, curiosamente, damos o crédito de verdade absoluta, como se fossem representativas da nossa identidade! E sem sabermos como nem porquê, eis que surge um carrasco adormecido, de chicote em riste, fogueiras para queimar pessoas, etc.
Por isso, se calhar, começávamos por refletir. Com humildade. Honestidade. Quanto mais refletimos, mais aprendemos e mais fácil tudo se torna. O que vejo acontecer nas famílias e nos partidos cujos pais e os líderes assumem total responsabilidade pela relação que têm consigo mesmo e a relação que têm com os demais é libertador. O investimento e o esforço dos pais e dos líderes reflete-se rapidamente no comportamento, nas atitudes, na motivação e no bem-estar, de toda a família. Seja a família de sangue, seja a política, ou outra qualquer.
Partilho algumas perguntas cujas respostas podem ser altamente reveladoras:
• De onde vêm as crenças que me habitam e as minhas convições políticas?
• Porque é que acredito no partido em que acredito? Como é que faço para acreditar?
• O que diz a minha voz interior sobre o partido no qual votei, ou tenho intenção de votar? Que palavras utiliza essa voz? De onde vêm?
• O que é que eu precisava de ter ouvido de um político de confiança?
• O que é que me irrita nos políticos? Quais são os gatilhos? De que é que me lembram da minha infância?
• Como lido com as emoções ”negativas” que surgem? Quais são as emoções me desafiam? Porque me desafiam?
• O que quero ver no mundo? Como estou a ser exemplo e a contribuir para isso?
Então, e os eleitores de que eu falava no inicio da crónica Essencial? Bem, na verdade, estão apenas cansados, sobretudo, magoados. Só queriam mesmo ser vistos, escutados, representados e reconhecidos pelo partido com o qual têm, tendencialmente, uma relação desde sempre.