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Um Candidato Idóneo

“Um Candidato Idóneo” é uma das obras menos conhecida de Mark Twain e, como quase toda a obra deste autor, é completamente presente e passível de encontros com os contextos atuais. Foi publicada em 1879 e é uma análise satírica do sistema político da época. Todas as citações, neste artigo de opinião, são dessa obra.

O texto é mais do que um conto ou uma história. É a descrição da natureza humana: entre o disse e o que desdisse, o que parece ouvir e que é surdo, entre os que juram lealdade útil a bandeiras e a camisolas que não são suas, entre a necessidade de afirmação pisando os outros e a inteligência (ou falta dela) de lidar com a diferença, este livro dá-nos grandes lições sobre os estragos que se fazem na vida dos outros.

“Que evitasse o estrago! Oh! Mas não faz mal. Se chegou a altura da destruição, venha ela, e que seja completa. Que seja completa: que esta última actuação tua, a qual estou prestes a ler, marque o final da peça.”

A bem da verdade, o “político idóneo” mistura a ficção com o real e mostra que a convocação a um cargo público, neste caso numa cidade do interior americano, começa por ser despojada de interesse privado. A persuasão pelos amigos e aliados é que acabam por convencer que este deva ser o candidato idóneo, por ter as qualidades fundamentais para se estar na política.

Começa assim o livro: “Estou praticamente decidido a concorrer a presidente. O que o país quer é um candidato que não se deixe ferir por investigações do seu passado (...). “. E o que faz este candidato? Antecipa-se. “Se, à partida se souber o pior acerca de um candidato, todas as tentativas de o surpreender serão derrotadas. Eu vou entrar em jogo como um livro aberto. Vou assumir à cabeça todas as maldades que cometi (...)”. Continua o “candidato idóneo”: “Faça o favor, esquadrinhe à vontade”.

Esta história de Twain, que nos faz esboçar sorrisos e gargalhadas, identifica de forma penosa a inaptidão e ignorância de muitos líderes políticos, ou aspirantes a isso, na contemporaneidade. “A minha visão das finanças é inabalável (..) é amealhar tudo aquilo a que consiga deitar a mão”. Sobre a política de defesa, acrescenta: “queria que o meu país fosse salvo, mas preferia que fosse outro a tratar do assunto. (...) Se a bolha de ar que chamam glória só puder ser obtida à boca chamejante do canhão, estou disposto a enfrentá-la, conquanto que o canhão esteja vazio. Caso contrário, será meu eterno e firme propósito saltar a cerca e ir para casa”.

Expondo dos absurdos e da corrupção, que tanto nos ocupa o discurso político nos últimos tempos, o autor traz-me a dúvida sobre quem irá vencer a disputa eleitoral de 10 de março. O leitor que compreenda que acabei de ir votar e ainda não me é possível dispor de dados que me façam afirmar as razões de escolha dos candidatos possíveis pelo país inteiro. Dentes, música, retórica, aparência e competência, hipocrisia, vira-casacas e integridade são as linhas da manipulação, mais dispostos na crença dos candidatos do que pelos eleitores. Basta um olhar mal dado, ou um “não” bem pensando e a idolatria verga-se ao fio da navalha de comissões, redes e blogues anónimos. Tal como em 1879, “não há paz possível para os servos do Estado” e o que se propõe é “ser demoníaco até ao fim”.

Segue-se a leitura “As bênçãos da Civilização”: “Dá-lhes sabão e uma toalha, mas esconde-lhe o espelho”.