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Madeira

Docente critica falta de concursos para arte em espaço público

Duarte Encarnação diz que isto "deixa várias situações em terreno movediço"

A escolha do autor da obra 'Revolta da Madeira' foi polémica.
A escolha do autor da obra 'Revolta da Madeira' foi polémica., Foto Arquivo

Intitula-se ’Breves Apontamentos Sobre a Escultura Pública Contemporânea na Madeira’, o artigo em que Duarte Encarnação, docente do Curso de Artes Visuais da Faculdade de Artes e Humanidades da Universidade da Madeira, tece críticas à forma de ocupação da arte em espaço público na Região entre meados do séculos XX e a actualidade. Este trabalho foi publicado no Vol. 12 N.º 2 da Revista Portuguesa de Educação Artística.

Duarte Encarnação identifica o que designa de “grave problema da gestão do espaço público relativo ao enquadramento das artes que nele se inscrevem”. Após uma contextualização do que é arte pública e arte em espaço público, o docente enquadra historicamente a escultura na Madeira, desde a escultura moderna ao ressurgimento do monumento comemorativo. E aqui começam as palavras mais duras para a falta de critério na escolha de obras, autores e localização dos trabalhos, os três aspectos centrais das críticas deste artigo.

Entre os exemplos de má-gestão está o procedimento para a criação do monumento para as comemorações da ‘Revolta da Madeira’. O Governo em 1988 lançou um concurso público, uma oportunidade assinalável para o confronto de distintas visões, na opinião do autor, que acabou enviesado. As propostas foram limitadas a pessoas naturais ou residentes na Madeira, o júri atribuiu o 1.º, 2.º e 3.º lugares, mas o Governo acabou por escolher fora destes premiados, uma atribuição “extremamente polémica” por resolução governamental, que, diz, colocou em causa a legitimidade de um júri composto por especialistas e outros intelectuais e que “desacreditou localmente a participação transparente nas práticas e futuros concursos públicos”. Segundo Duarte Encarnação, “o resultado deste concurso, transcorridas três décadas, é o mote para uma actuante e necessária adopção das boas práticas associadas ao pensamento contemporâneo na manifestação dos sucessos ou fracassos da arena pública, assim como na participação e diálogo necessários entre as distintas instituições.”

As críticas estendem-se também às câmaras. Por exemplo, a do Funchal, no caso dos memoriais às vítimas da aluvião de 20 de Fevereiro e dos incêndios de 2012. No primeiro caso foi feita uma encomenda e aceite uma doação no segundo. "Será também a autarquia do Funchal a receber uma instalação de troncos queimados e intervencionados com vista a ocupar o espaço público, precisamente uma rotunda. Sem a desejada auscultação, que valoriza a abertura de concurso público ou a sugestão aberta de ideias para refletir de forma estética um assunto de grande complexidade como é a perda associada às tragédias naturais. De forma recorrente, esta obra é também implantada na rotunda da Fundoa, considerando para tal uma localização acrítica, poderíamos neste caso evocar o âmbito do ‘não lugar’ (Augé, 2005)”.

O professor e artista critica a escolha de rotundas para a colocação de esculturas pela redução de escala, “admiração repentina dos automobilistas” e pela falta de contextualização.

Segundo o ex-director do curso de Artes Visuais, durante as duas primeiras décadas do século XX foram quase inexistentes os concursos públicos para monumentos e/ou intervenções artísticas. “Em geral, a grande maioria de obras é endereçada a escultores onde se regista uma relação de afinidade geográfica com os mesmos, este modus operandi pode ser nocivo e injusto no que diz respeito à igualdade de oportunidades para uma prática que se pretende renovadora, aberta e democrática tendo em conta o espaço público como destino final”.

Nas conclusões, o autor escrever: “Destaca-se uma dificuldade acrescida sobre a inexperiência notória em lidar com a arte do espaço público insular, fenómeno que também se faz sentir em outros territórios, quer pela escolha superficial e declarada das modas, quer por uma certa confusão sobre o papel utilitário das práticas artísticas, verifica-se, por vezes, um compromisso ambíguo exercido desde os poderes políticos, e de uma falta de compromisso generalizado por parte da cidadania, o que cria a acentuada ausência de diálogo sobre o fenómeno da arte pública e em consequência, a adopção essencial das boas práticas em propostas de criação de monumentos públicos, assim como em restantes intervenções desta natureza”.

Na sua opinião, é pouco compreensível a não implementação generalizada de concursos públicos, “negando a possibilidade, quer a consagrados, quer às gerações promissoras de artistas, estudantes e demais profissionais, de um acesso, mediante análise aprofundada, esclarecida e atualizada por parte de conhecedores e estudiosos”. No seu entender, esta forma de actuar por parte das entidades públicas “deixa várias situações em terreno movediço", permitindo, por outro lado, "o aparecimento de operações onde prevalece o improviso, a falta de qualidade estética e tratamento projectual que derivam muitas vezes em motivações individuais numa exaltação do ego autoral”, critica.