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Estatuto do Tribunal Penal Internacional basta para julgar crimes ambientais

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O procurador do Tribunal Penal Internacional (TPI) quer julgar os "crimes ambientais" sem alterar o estatuto da instituição, porque a destruição ambiental é, com frequência, causa ou consequência de crimes de guerra ou contra a humanidade.

A alteração estatutária não seria assim necessária, uma vez que o TPI já pode julgar aqueles crimes, disse hoje o seu presidente, Karim Khan, em entrevista à AFP.

"Atacar uma central nuclear, uma barragem, utilizar produtos químicos, por exemplo, para financiar um conflito" através da extração de metais preciosos, "tudo isto podem ser métodos pelos quais as destruições ambientais são causadas em contexto de comissão de genocídio, de crimes de guerra, de crimes contra a humanidade, de crimes de agressão", declarou o procurador, listando as quatro infrações já cobertas pelo TPI, que está sedeado em Haia, seguindo o Estatuto de Roma, o seu texto fundador.

Com esta perspetiva, as destruições ou as poluições massivas do ambiente poderiam assim bastar para fundar processos por crimes de guerra, à semelhança, por exemplo, de violações em massa.

Estas situações, por vezes qualificadas como ecocídio, poderiam assim documentar crimes contra a humanidade, tal como a deportação de crianças, que está no centro do inquérito do TPI que justificou um mandado de detenção em nome do presidente russo, Vladimir Putin.

Os serviços de Khan preparam um documento de política geral, que pretende divulgar em dezembro, o que deve fixar o quadro jurídico para a consideração destes crimes ambientais sem terem de acrescentar um quinto crime aos listados pelo Estatuto de Roma, que levou à criação do TPI em 2022.

"Vamos ver, de forma mais precisa e efetiva, como é que os crimes ambientais já estão incluídos no Estatuto de Roma", avançou o procurador.

"Se o Estatuto de Roma se concentra nos crimes contra as pessoas ou no património construído, como igrejas, mesquitas, sinagogas ou o da UNESCO, devemos alargar o nosso horizonte durante os conflitos: o ambiente é um alvo frequente e com frequência a luta pelos recursos no ambiente é um motor de conflitos", realçou Khan, quando questionado sobre se os bombardeamentos massivos na Ucrânia ou na Faixa de Gaza eram suscetíveis de integrar a definição de crimes ambientais.

"Olhem para o Darfur", prosseguiu, recém-regressado da zona: "A penúria de água e as secas, (...) também desencadeou a animosidade" nesta região, em plena desertificação desde há mais de 50 anos, alimentada pelo aquecimento global.

"Com frequência, o conflito pode assumir a forma de uma oferta comercial para conseguir terras raras, diamantes de sangue, ouro e madeira. Neste contexto, o ambiente sofre destruições consideráveis", acrescentou.

Karim Khan citou ainda o "uso de cianeto" e de "mercúrio para extrair" minerais preciosos: "Ecossistemas inteiros são destruídos, rios cheios de vida, de flora selvagem e de peixes tornam-se zonas onde reina a morte e o desespero".

Por+em, felicitou-se por esta ser a primeira vez na história do TPI que vamos dispor de um documento de orientação sobre as formas que podem assumir os crimes contra o ambiente, no quadro do nosso mandato".

A sua antecessora, Fatou Bensouda, já tinha anunciado, em 2016, que o TI ia colocar foco "nas destruições ecológicas, na exploração ilícita de recursos naturais ou na expropriação licita de terras", um aviso aos empresários e políticos que não teve efeitos visíveis.

"Uma ideia enquanto promessa ou esperança é muito diferente de uma política refletida", argumentou Khan em defesa da sua iniciativa.

"O Direito tem o poder imenso de mudar o mundo que nos envolve" e as "discussões sobre o clima e a Natureza" nos tribunais são "um sinal claro" de que "há um confronto com uma das maiores crises desta geração", comentou Pierre Cannet, da organização não governamental ClientEarth.

Em 2021, pelo menos dois processos por "crimes contra a humanidade" foram apresentados no TPI contra o então presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, pelo seu papel na desflorestação da Amazónia. Até hoje desconhecem-se quaisquer desenvolvimentos.

"Hoje é o início de um processo que, na próxima semana, vai incluir convites a Estados, empresas, agentes e sociedade civil a dizerem o que pensam que deve constar no documento de orientação".

Uma primeira versão do texto deve ser apresentada em abril, antes da sua promulgação em dezembro, especificou Khan.

O procurador do TPI pronunciou-se por ocasião de uma reunião inédita de centenas de procuradores e juízes, incluindo de Supremos Tribunais, que estiveram em Paris, no Conselho Constitucional, a debater a consideração dos interesses das gerações futuras no desenvolvimento internacional da justiça ambiental.