Será Ireneu Barreto obrigado a ouvir os partidos antes de nomear um presidente do Governo Regional?
Ireneu Barreto iniciou, nesta tarde, a audição dos partidos com representação na Assembleia Legislativa da Madeira, na sequência da demissão do Governo Regional imposta pelo pedido de exoneração do presidente Miguel Albuquerque. Essa audição visa permitir conhecer o posicionamento de cada força política, no que respeita à solução de Governo a adoptar na Madeira. Mas será o Representante da República obrigado a ouvir as forças partidárias antes de convidar alguém a formar Governo?
No País existem três realidades distintas, mas com pontos em comum: nacional; açoriana e madeirense. Comum a todas elas está a Constituição da República Portuguesa, que enquadra os processos balizando o que deve de ser feito.
O direito de audição é algo fundamental em democracias e a Constituição da República consagra-o em diversas situações, a diversos órgãos e entidades.
No que diz respeito às Regiões Autónomas e a situações semelhantes às actualmente vividas na Madeira, é afirmado que o exercício do poder do Presidente da República de dissolver as respectivas Assembleias Legislativas é precedido pela audição do Conselho de Estado (artigo 234.º, n.º1).
Mas analisemos a questão da nomeação de presidentes de Governo.
As nomeações dos chefes dos executivos, Primeiro-ministro e presidentes dos Governos Regionais também geram direitos de audição, mas das forças partidárias.
Sobre a nomeação do chefe do Governo da República, a Constituição diz que “o Primeiro-ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais”.
Já sobre a nomeação dos presidentes dos governos regionais, a obrigatoriedade de ouvir as forças partidárias é implícita e não explícita. O artigo 231, n.º 3, diz que “o Governo Regional é politicamente responsável perante a Assembleia Legislativa da região autónoma e o seu presidente é nomeado pelo Representante da República, tendo em conta os resultados eleitorais”.
Ora, como facilmente se constata, esta norma, que se aplica nos Açores e na Madeira, não torna explícita a obrigação de ouvir as forças partidárias, mas ela é implícita. Desde logo, por comparação com o que acontece com o Governo da República e, depois, por a atenção aos resultados eleitorais implicar essa audição.
No entanto, há dois diplomas, um para os Açores e outro para a Madeira, que impõem, de forma explícita essa audição. São os Estatutos Político-Administrativos, que são leis de valor reforçado, aprovadas por maioria de dois terços dos deputados em funções na Assembleia da República. Na hierarquia das leis, estão acima das que exigem maioria simples.
Há quem entenda que os Estatutos político-administrativos deveriam de ser consideradas leis paraconstitucionais, para os blindar contra abocanhamentos, que têm acontecido, por leis ordinárias. Mas esse é um debate para outros fora.
Vejamos então as normas, que nos Estatutos dos Açores e da Madeira, impõem a audição dos partidos antes de uma decisão sobre a nomeação do respectivo presidente do Governo Regional.
O Estatuto Político-Administrativo dos Açores, no n.º1 do artigo 81º diz que “Presidente do Governo Regional é nomeado pelo Representante da República, tendo em conta os resultados das eleições para a Assembleia Legislativa, ouvidos os partidos políticos nela representados”.
O Estatuto Político-Administrativo da Madeira, ainda que com uma nomenclatura ultrapassada, pelo facto de não ser revisto desde o ano 2000, diz basicamente o mesmo, no n.º1 do artigo 57.º: “O Presidente do Governo Regional é nomeado pelo Ministro da República, tendo em conta os resultados das eleições para a Assembleia Legislativa Regional e ouvidos os partidos políticos nela representados.”
Com a formalidade que Ireneu Barreto começou hoje a cumprir e deve de concluir na sexta-feira, fica apto a, querendo, por achar que estão reunidas as condições para tal, nomear um novo presidente do Governo Regional, mas a tal não é obrigado. Na situação inversa, entendendo não estarem reunidas as condições para haver um governo suportado por uma maioria parlamentar estável, pode optar por deixar o actual governo em funções até ser possível dissolver o parlamento e marcar eleições ou até ser encontrada outra solução. No final da próxima semana essa situação poderá estar mais definida.