Gestão corrente não tem limites claros
O Governo Regional entrou em gestão mas as suas competências obrigam a interpretações, caso a caso
O ponto 5 do Artigo 186º da Constituição da República tem uma redacção que já motivou teses e tratados jurídicos, de constitucionalistas de renome e umas das referências sobre esta matéria é Diogo Freitas do Amaral, fundador do CDS e ex-ministro que publico o livro ‘Governos de Gestão’ que reuniu a sua exposição para as provas para professor agregado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em 1983.
A Constituição determina, no ponto referido, que ‘Antes da apreciação do seu programa, ou após a sua demissão, o Governo limitar-se-á à prática dos actos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos’.
Esta norma constitucional foi criada para limitar a acção dos governos no final do mandato e antes das eleições, para evitar medidas eleitoralistas, mas também rege o funcionamento dos Executivos (nacionais e regionais) no período após a demissão e até à posse de um novo Governo.
É nesta situação que se encontra o Governo Regional da Madeira, a partir do momento da publicação da demissão e Miguel Albuquerque, aceite pelo Representante da República. Com a demissão do presidente do GR, todo o Executivo cai e entra em gestão.
Uma transição imediata, mas que não tem limites de actuação bem definidos. Determinar o que pode fazer um governo de gestão tem ocupado constitucionalistas, ao longo de décadas e muitas situações acabam por ser decididas pelo próprio Tribunal Constitucional.
Produção legislativa cai
O que é claro, em relação a um governo de gestão, é que não pode produzir legislação. No entanto, há interpretações diferentes sobre legislação entregue, antes da demissão, nos parlamentos.
Se vingar a tese, da maioria dos constitucionalistas de que cai tudo com o Governo, todas as propostas de decreto legislativo regional que tenham sido remetidas à Assembleia Legislativa caem. Entre elas estarão a proposta de Orçamento Regional para 2024 e o Plano de Investimentos (PIDDAR) que deveriam começar a ser discutidos amanhã.
Também as moções de censura que tenham dado entrada no parlamento caem, uma vez que o Governo Regional a que se dirigem – as moções de censura têm por objectivo a queda dos governos – já caiu. PS e Chega anteciparam-se e retiraram as moções.
Outros diplomas do Governo Regional, enviados pelas secretarias saem da ordem de trabalhos.
No entanto, Jorge Reis Novais, constitucionalista, afirmou recentemente que a queda do Governo Regional da Madeira não implica a queda dos diplomas já recebidos pelo parlamento. Defende que compete à Assembleia decidir o que fazer. Terá sido isso que foi discutido na Conferência de Representantes dos Partidos que anulou a discussão do OR2024.
Assembleia com todos os poderes
A demissão do Governo Regional não tem outros efeitos no parlamento que não seja a queda dos diplomas do Executivo.
A Assembleia Legislativa da Madeira, eleita a 24 de Setembro – é o único órgão eleito pelos cidadãos – mantém todas as suas competências, entre elas a de dar posse a um novo governo se for esse o entendimento do Representante da República.
O que pode fazer o Governo?
A “prática dos actos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos” deveria significar, simplesmente, garantir o funcionamento dos departamentos do governo, pagar salários e cumprir os contratos em vigor, nomeadamente pagamento de concursos públicos em curso.
No entanto, há muitas ‘zonas cinzentas’ no que pode ser a gestão corrente.
Em 2002, o próprio Tribunal Constitucional produziu um acórdão, a pedido do Presidente da República Jorge Sampaio, sobre esta matéria que, como foi recordado recentemente com a demissão do Governo de António Costa, seria “altamente inconveniente” limitar o governo à gestão corrente. Entende o TC que todos os actos que possam ser entendido fora da ‘gestão’ devem ser justificados pelo Governo. Terá ser provada, segundo o Tribunal Constitucional, a “estrita necessidade da sua prática”. Estão nesta situação medida de emergência para responder a situações específicas ou garantir a aplicação de legislação já aprovada.