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Análise

É mesmo o povo quem mais ordena

O poder não pode continuar na rua e este não é o momento para jogos partidários

O sistema democrático está assente na vontade popular. É o povo quem decide desde que a liberdade foi devolvida aos portugueses no dia 25 de Abril de 1974. Convém ter esta premissa sempre presente quando existe uma situação política tão peculiar como a que se vive na Madeira desde 24 de Janeiro, quando uma mega-operação judicial invadiu a Região, decapitou a cúpula do PSD-M e paralisou a acção governativa, protagonizada por um partido que detém o poder há quase 48 anos! O que se tem vivido nas últimas semanas é tudo menos estabilidade, serenidade e normalidade. A legitimidade que foi outorgada pelo povo nas eleições de Setembro está irremediavelmente comprometida por este fim de ciclo social-democrata.

O governo de coligação, que sobrevive apenas com a ajuda da deputada do PAN, está ferido de morte e diminuído na sua acção. O dano reputacional que o atingiu é fatal. Não foi um secretário regional que foi constituído arguido, foi o presidente do Executivo, o líder do partido que deu a cara nas eleições e as venceu. Miguel Albuquerque tem direito à presunção de inocência, mas tem de prová-la longe do poder. O PAN indicou-lhe o caminho a seguir, mesmo que essa determinação tenha chegado de Lisboa, o que também é revelador da autonomia que a estrutura regional goza. No meio da bizarria, a Região está sem liderança há quase duas semanas. E isso começa a ser preocupante, porque precisa de um novo orçamento. Não nos podemos dar ao luxo de o termos no último trimestre do ano. Traria consequências gravosas para os madeirenses e para a economia, comprometendo de forma séria a execução das verbas do PRR. De forma pragmática, os três partidos que suportam o poder desde Setembro passado já deveriam ter apresentado uma alternativa, alicerçada numa nova equipa de gente jovem e válida, num novo programa e num novo orçamento. Não há condições nem ambiente para este governo fingir que governa até 24 de Março, data em que o Presidente da República pode dissolver o parlamento regional e convocar eleições. Até porque há muitas dúvidas sobre se Albuquerque está ou não em plenas funções. O ainda líder do PSD demora tempo demais para decidir. Apresentou a demissão, mas afinal manteve-se, contrariando a interpretação que os constitucionalistas fazem do que emana da Constituição e do Estatuto Político Administrativo.

O poder não pode continuar na rua e este não é o momento para jogos partidários, nem acertos de contas e muito menos para estados de alma. Resolvam os dramas, depois, em congresso com os respectivos militantes.

Importa neste momento avançar e depressa. É óbvio que a oposição vai lutar por eleições antecipadas, mas há, até lá, meses de interregno até isso poder acontecer. A palavra será depois devolvida ao povo? Parece inevitável. A legitimidade democrática assim o exige. Haverá tempo para o PSD-M se organizar, entretanto? Se o Presidente da República usar a mesma receita aplicada no continente, sim. Novas eleições podem ser convocadas para depois do congresso antecipado dos social-democratas, mas com um orçamento em vigor. Contas feitas isso pode acontecer lá para Junho ou Julho. Até lá muita água vai passar por debaixo da ponte. Acautele-se, por isso, o instrumento de gestão em que assenta a vida da Região.

P.S.: Injustiça. Manter cidadãos detidos para interrogatório judicial durante tantos dias é um verdadeiro atentado que colide com os direitos individuais. É inadmissível que o Estado nada faça para impedir que este tipo de situações se banalize, privando da liberdade suspeitos que podem até nem ser culpados do que lhes é imputado. Este comportamento mina a confiança dos cidadãos na Justiça, gera julgamentos apressados na praça pública e deita por terra a reputação de pessoas que não foram julgadas e muito menos condenadas. A presunção da inocência é uma miragem. E isso tem de acabar.