(In)tolerância na agenda popular e populista
A manifestação que hoje decorreu em Lisboa contra a "islamização de Portugal", organizado pelo 'Grupo 1143', reconhecido de estar conotado com a extrema-direita, e a contramanifestação organizada por movimentos anti-racismo, não se chegaram a encontrar. A forte segurança impediu males maiores na capital
Xenofobia é "antipatia ou aversão pelas pessoas ou coisas estrangeiras" e/ou "preconceito ou atitude hostil contra o que é de outro país ou de outro meio". O tema tem estado cada vez mais na actualidade, mas a verdade é que nem todos percebem o verdadeiro alcance do termo. Explicamos aqui.
A manifestação que hoje decorreu em Lisboa contra a "islamização de Portugal", organizado pelo 'Grupo 1143', reconhecido de estar conotado com a extrema-direita, e a contramanifestação organizada por movimentos anti-racismo, que não se chegaram a encontrar, gerou momentos de temor e amor, mas também de manifesta intolerância para com cidadãos estrangeiros, neste caso maioritariamente de origem muçulmana. A tolerância e a manifestação pacífica de ideias diferentes imperou, apesar da tensão.
A forte segurança, apesar da 'greve' das polícias por causa da atribuição do suplemento de missão, impediu males maiores na capital. Mas o ambiente não está pacificado. O rastilho para a violência pode surgir em qualquer lado.
O que é a xenofobia?
"O termo xenofobia provém do conceito grego composto por xenos ('estrangeiro') e phóbos ('medo'). A xenofobia faz, deste modo, referência ao ódio, receio, hostilidade e rejeição em relação aos estrangeiros. A palavra também é frequentemente utilizada em sentido lato como a fobia em relação a grupos étnicos diferentes ou face a pessoas cuja caracterização social, cultural e política se desconhece", lê-se num artigo sobre a temática, que pode ler mais abaixo.
Assim, refere o autor, "a xenofobia é uma ideologia que consiste na rejeição das identidades culturais que são diferentes da própria", podendo-se dizer que "este tipo de discriminação se baseia em preconceitos históricos, religiosos, culturais e nacionais, que levam o xenófobo a justificar a segregação entre diferentes grupos étnicos com o fim de não perder a própria identidade. Por outro lado, muitas vezes acrescenta-se um preconceito económico que vê nos imigrantes competidores pelos recursos disponíveis no seio de uma nação". Aliás, refere, "uma das formas mais comuns da xenofobia é a que se exerce em função da raça, isto é, o racismo.
A Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial. Adoptada, assinada e ratificada pela Assembleia Geral na sua Resolução 2016 A (XX), de 21 de Dezembro de 1965. Entrada em vigor a 4 de Janeiro de 1969, em conformidade com o artigo 19. Série Tratados das Nações Unidas Nº 9464, vol. 660, p.195. Estes são alguns dos documentos oficiais que tratam da temática.
Esta convenção, no seu artigo 1, define a discriminação racial ou xenofobia como "qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência fundadas na raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica, que tenha por fim ou efeito anular ou comprometer o reconhecimento, o gozo ou o exercício, em igualdade de condições, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais nos domínios político, económico, social, cultural ou em qualquer outro domínio da vida pública.” (Artigo 1).
Legislação internacional, europeia e nacional condenam
"À margem da sua consideração ética, a xenofobia também é considerada um delito em numerosos Estados", como é o caso de Portugal. "A Comunidade Europeia aprovou, em Setembro de 2008, uma Directiva contra o racismo e a xenofobia, tendo os Estados-membros um prazo de dois anos para a transpor em direito nacional com o objectivo principal de proteger e defender os direitos humanos dos estrangeiros".
Além disso, refere, "é importante realçar que convém estudar a xenofobia como um fenómeno eminentemente social, cultural e não jurídico, o que significa vê-la como uma reacção fóbica de grupos sociais face à presença de outras pessoas que não compartilham a sua origem ; por isso, as leis não são mais do que reflexo dessa fobia cultural e não o inverso. A xenofobia é a rejeição expressa através de preconceitos contra todo e qualquer estrangeiro, tendo em conta que os preconceitos são convicções sem fundamento, com desconhecimento dos factos, que desencadeiam facilmente a discriminação", relembra.
É, pois, "consensual reconhecer que o tema da discriminação não se restringe à questão dos estrangeiros. Se existe discriminação racial, de sexo ou de idade, convém salientar contudo que o estrangeiro, para além de ser vítima potencial de preconceitos devido ao seu lugar de origem, pode sê-lo também pela sua condição social".
Termina, referindo que "estudos da Organização das Nações Unidas, 1 em cada 35 pessoas é migrante no mundo, o que quer dizer que 1 pessoa em cada 35 se desenvolve numa nação que não é a sua, pelo menos por nascimento. E se o número total de migrantes passou de 150 milhões de pessoas em 2002 para 214 milhões de pessoas actualmente, a percentagem do número de migrantes em relação à população mundial mantém-se, já que só aumentou 0,2 % nos últimos 10 anos". Contudo, como temos assistido nos anos mais recentes, a tendência é crescente e nos vários níveis de migração.
Pode ler mais sobre o tema no documento em anexo, de onde retiramos algumas das citações.
Segurança Interna detecta casos
No último Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) referente a 2022, divulgado em finais de Março do ano passado (o próximo estará para sair no próximo mês), sobre a temática referia, é referido o combate aos extremismos.
"No âmbito do contraterrorismo, mantém-se o processo de deteção, prevenção e investigação sobre os extremismos, ideológico violento de direita e de esquerda, assim como sobre o de cariz jihadista. Para além destes vetores, têm surgido movimentos negacionistas antissistema, os quais poderão configurar um potencial de violência. Estes movimentos, inspirados por teorias da conspiração, desafiam as autoridades democraticamente eleitas, incitando à desobediência civil e à agitação social", escreve-se.
No que toca aos resultados operacionais, "regista-se um acréscimo no número de detenções (+32,1%) e buscas (+4,4%) realizadas. Por outro lado, observa-se um decréscimo no número de arguidos (-3,2%)", salienta.
Também se refere que "no campo dos extremismos políticos, acentuaram‐se as principais tendências do ano anterior. Em termos gerais, continuou a verificar‐se uma perda de influência e dinamismo das organizações tradicionais da extrema‐direita portuguesa, nomeadamente no que respeitou à militância de rua", realça noutro ponto do relatório.
"Manteve‐se, paralelamente, a tendência – já não forçada pela pandemia – de migração de atividades da extrema‐direita para o ambiente online, com crescente audiência, nos quais é disseminada propaganda extremista, teorias da conspiração e desinformação, num ataque permanente à democracia, aos atores do sistema político e às minorias étnicas, religiosas ou sexuais", refere-se. E acrescenta: "Neste plano, destacou‐se, a crescente adesão de jovens militantes de extrema‐direita a grupos online, de âmbito nacional ou transnacional, dedicados à difusão de conteúdos propagandísticos extremistas, incluindo conteúdos 'aceleracionistas' (terrorismo de extrema‐direita). A radicalização online nestes meios poderá agravar o risco de surgimento de pequenas células ou de atores isolados dispostos a atuar com violência, por motivação ideológica."
Mas no outro lado da 'barricada' também há acções. "No que respeita à extrema‐esquerda, a atividade do movimento anarquista e autónomo continuou focada nas vertentes de propaganda e doutrinação, sendo raras as expressões da sua militância de rua", garante. "Verificou‐se novamente algum alinhamento ideológico com a corrente do anarquismo insurrecional (terrorismo anarquista) e com outros projetos revolucionários internacionais. Por outro lado, alguns setores da extrema‐esquerda e militantes autónomos continuaram a impulsionar a luta ambientalista, sendo notório o alargamento da sua base de apoio junto da sociedade civil, particularmente da população estudantil, e a radicalização do seu ativismo (em determinados casos, aproximando‐se do extremismo)".