Milhares voltam às ruas de Berlim contra extrema-direita
A mensagem "todos juntos contra o fascismo" começou a ouvir-se alto nas ruas de Berlim quando ainda faltava mais de uma hora para o início oficial da manifestação que junta mais de 150 mil pessoas na capital alemã.
Grupos de várias direções caminham debaixo de chuva até ao parlamento alemão. As cores dos cartazes pintam o mar de gente de diferentes idades, nacionalidades e até ideais políticos. Muitos são repetentes. Juntam-se numa luta contra a extrema-direita, contra o partido Alternativa para a Alemanha (AfD), contra a ameaça à democracia.
"Não queremos que a história se repita", sublinha Stefan, "não queremos nazis no poder, não queremos deportações, isto é uma loucura que tem de ser travada já", pede o alemão, de 42 anos.
As manifestações contra a extrema-direita têm levado centenas de milhares de pessoas às ruas em toda a Alemanha. A contestação subiu de tom depois da revelação do coletivo de jornalistas "Correctiv" de uma reunião secreta com a participação de vários membros do partido e de outras organizações de extrema-direita e neonazis.
No encontro, que decorreu em novembro do ano passado em Potsdam, foi discutido um plano de deportação em massa, para o norte de África, de milhões de estrangeiros residentes no país, incluindo naturalizados.
"Muitas pessoas na Alemanha, especialmente as que são afetadas pelo racismo e pela discriminação, receiam que a AfD possa em breve chegar ao governo da Alemanha", revela Jakob Springfeld, em declarações à agência Lusa.
É um dos oradores que vai discursar no palco montado em frente ao Bundestag, e confessa que, como ativista, tem sido vítima de várias ameaças.
"As pessoas estão a mobilizar-se pela democracia, pelos direitos humanos e contra a marginalização. Muitos estão também a exigir políticas mais justas para os refugiados e o fim da enorme desigualdade social neste país", destacou.
Dos altifalantes ouve-se uma mensagem em alemão a dar as boas-vindas a todos os que não são de Berlim. Pouco depois, em inglês, a mesma voz diz que os refugiados são bem-vindos.
Neli emociona-se enquanto vai explicando o que a traz ali. Não segura bandeiras, mas agarra com força a mão do filho de sete anos.
"Sou professora, dou aulas a muitas pessoas que vêm de fora, a muitas crianças refugiadas. Este é o país delas. É tão triste ver que há quem queira mudar isso. Tenho medo. Medo pelo meu filho, pelo futuro dele num país governado por extremistas", vai contando.
À volta do parlamento, centenas de pessoas vão formando um cordão humano, uma iniciativa que já tinha sido anunciada pela organização. Mais de 1.300 organizações assinaram a convocatória para o protesto de hoje.
Além das bandeiras com mensagem, há também outras dos partidos, como o "Die Linke" (A Esquerda). Alex é da CDU (União Democrata Cristã). Admite que esta é a primeira vez em muitos anos que vem a uma manifestação.
"A CDU também está a participar nestas manifestações. Há um motivo em comum com os outros partidos, não queremos um regime nazi, por isso temos de impedir que isso aconteça", realça, "está tudo a ficar cada vez pior e pior com a AfD, tenho de fazer alguma coisa", remata.
Luísa Neubauer, ativista climática que ficou conhecida por organizar a greve escolar pelo clima na Alemanha, e que promoveu as primeiras manifestações do mês de janeiro, já tinha apontado as três reivindicações principais nestes protestos.
"Pedimos que os políticos estudem a possibilidade de banir a AfD, o segundo objetivo é impedir que os partidos eleitos democraticamente, que estão no parlamento, continuem a mover-se para a direita, usando os discurso e ideologia de extrema-direita (...) Em terceiro lugar, estamos nas ruas porque precisamos que os alemães e os europeus acordem", enfatizou à Lusa.
Banir o partido "poder ser uma solução", defendeu a ativista, "mas não é a única", acrescentando que a ilegalização da AfD é um tema que tem dividido os partidos políticos e a sociedade civil. Segundo um inquérito da empresa de estudos de mercado, Ipsos, divulgado a 11 de janeiro, cerca de 42% por alemães está a favor da proibição da AfD, mas idêntica percentagem opõe-se.
Para Leoni, banir a AfD seria mesmo a primeira forma de "extinguir a extrema-direita".
"Já há motivos legais suficientes para começar o processo de ilegalização do partido. Também precisamos de deixar de utilizar políticas de extrema-direita no nosso quotidiano político. Mesmo os partidos liberais estão a começar a pronunciar-se contra os refugiados e a usar linguagem extremista", frisa.
De acordo com a última sondagem do instituto Insa, divulgada hoje, o partido AfD desceu para os 20% dos votos, o que contrasta com os 24% atribuídos pelo estudo da Yougov a 11 de janeiro. Ainda assim, a "Alternativ für Deutschland" continua a ser a segunda força mais votada, à frente dos três partidos que formam a coligação do governo (SPD, FDP e Verdes).