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Poder judicial e corrupção

O governo português publicou uma “Estratégia Nacional de Combate à Corrupção//2020-2024”, elaborada por um grupo de “sábios” que integrou uma académica, magistrados, investigadores da Polícia Judiciária, representantes do Conselho de Prevenção da Corrupção, o Inspetor-Geral dos Serviços de Justiça e técnicos do Ministério da Justiça. O relatório foi apresentado em 17 de Julho de 2020.

O problema de tratar o tema “corrupção”, começa logo pela definição do termo. Verdadeiramente, não existe uma definição de corrupção comum a todos os países, embora seja mais ou menos consensual que se trata de abuso de um poder ou função públicos de forma a beneficiar um terceiro, contra o pagamento de uma quantia ou outro tipo de vantagem.

O Código Penal Português prevê, nos artigos 372.º a 374.º-B, os crimes de recebimento indevido de vantagem e os crimes de corrupção apresentados, essencialmente, com duas configurações: a corrupção activa e a corrupção passiva, conforme o agente esteja, respectivamente, a oferecer/prometer ou a solicitar/aceitar uma vantagem patrimonial ou não patrimonial indevida.

No entanto, o conceito de corrupção alcança, na sociedade, um sentido mais abrangente, abarcando outras condutas, também criminalizadas, cometidas no exercício de funções públicas: o peculato, a participação económica em negócio, a concussão, o abuso de poder, a prevaricação, o tráfico de influência ou o branqueamento de capitais. O vulgar “favorzinho” ou “jeito”.

A Organização Não Governamental (ONG) “Transparência Internacional” define, de um modo mais abrangente, a corrupção como “o abuso de um poder confiado, para ganhos privados”.

Portugal não é, factualmente, um dos países onde mais impera a corrupção. No entanto, o sentimento generalizado da população é de que “andam todos (em especial os políticos) a roubar”.

Apesar de, ultimamente, com uma frequência grande, haver eco de investigações e processos, mesmo de algumas condenações, o facto é que há uma generalizada descrença na Justiça portuguesa. Isso é frustrante e determina uma progressiva desacreditação do sistema, favorece o descrédito nos valores da democracia vigente e fragiliza as instituições representativas dos poderes do Estado.

A corrupção provoca a erosão das regras de boa governança e degrada, inevitavelmente, a relação entre governantes e governados.

Infelizmente, a corrupção e os fenómenos criminais conexos, têm raízes históricas e culturais profundas, facilitadas por um aparelho judicial burocrático pesado e opaco.

Os intervenientes estruturais do sistema: Juízes, Ministério Público, Advogados, Solicitadores, Agentes de Execução, Oficiais de Justiça e os próprios Ministros da Justiça, uns mais do que outros, carregam o opróbrio dos resultados. Os megaprocessos, a demora a chegar aos julgamentos e os resultados de investigações (caras e morosas), recursos avulsos, sentenças e prescrições, dão razão a quem pensa que “a justiça não funciona”.

Os programas da generalidade dos partidos políticos (senão de todos) não apresentam ideias nem estratégias para a Justiça que façam os cidadãos acreditarem que pretendem, efectivamente, melhorar o sistema e resolver os problemas que todos reconhecem existir. Apenas referem evidências e desejos de melhoria, sem substracto credível.

O poder judicial tem de ser independente de influência política, deve ter recursos que lhe permitam actuar devidamente, deve prever a protecção de denunciantes (muitas vezes, único modo de obter prova), promover a consciencialização e a educação públicas e a colaboração de instâncias internacionais.

Os casos de corrupção são de extrema complexidade e envolvem, quase sempre, múltiplas partes e transações financeiras complexas. Os sistemas judiciais enfrentam dificuldades em lidar com a complexidade e o volume de tais casos.

A eficácia do quadro jurídico e a sua aplicação, desempenham um papel crucial. Se as leis forem fracas ou a sua aplicação for negligente, os perpetradores poderão escapar à justiça. Além disso, o próprio processo legal, se for demorado e complicado, pode dissuadir tanto os investigadores como os procuradores e encorajar os prevaricadores.

Se houver uma percepção de interferência política no processo judicial ou se o sistema judiciário estiver sujeito a pressão política ou económica, isso pode prejudicar a luta contra a corrupção e aumentar o sentimento popular de impunidade para os infractores.