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Vamos lá industrializar

O primeiro chavão político do qual tenho memória é o de uma chamada genérica à Industrialização.

Foi a primeira vez que me apercebi que uma ideia podia ser repetida por diversos adultos sem que houvesse consenso sobre o que essa ideia significava.

E esta ideia foi sendo repetida ao longo das gerações. Tal como qualquer outra ideia, teve as suas modas, subindo a sua relevância quando os cofres do país apertavam e diminuindo quando havia alguma folga orçamental (ou seja, esteve quase toda a minha vida em voga).

Líderes partidários, ministros, jotinhas e membros da comunidade em geral referiram, ao longo das últimas décadas, que era essencial, e estratégico, industrializar.

Na minha segunda ou terceira moda do “vamos industrializar” apercebi-me que nenhum dos proponentes da industrialização se dava ao trabalho de explicar o porquê de, após décadas de designar este processo como fundamental, nunca termos tido sucesso.

Veio o COVID, anunciaram-se os fundos do PRR e, certeiro e regular como um relógio de quartzo, veio o ministro da economia de Portugal clamar por mais industrialização. Mais uma vez sem especificar exatamente em que consiste o processo de (re)industrialização ou o porquê das anteriores ondas de industrialização não terem funcionado.

A questão que se coloca agora é se ainda faz sentido continuar a tocar nesta tecla numa altura em que a Europa teve décadas de deslocalização e descentralização de indústria para países terceiros.

Acredito que sim, mas que será necessário mudar o foco. Não me parece produtivo ter governantes a afirmar necessitar de industrialização sem especificar que indústrias conseguimos atrair e a que custo.

Para inverter um processo destes e conseguir competir a nível internacional para atrair capitais, requer esforços relevantes como incentivos financeiros, benesses fiscais, esforços diplomáticos de entidades públicas e esforços comerciais de privados. Como tal, será necessário apontar esforços a indústrias a quem faça sentido operar em Portugal e que sejam de futuro.

Indústrias como os semicondutores, baterias, equipamentos renováveis, entre outros cumprem o segundo requisito. A questão é se cumprem o primeiro.

Os EUA têm como uma das suas fraquezas estratégicas a dependência de semicondutores produzidos em Taiwan. Para contrariar esta exposição, os EUA aplicaram bilhões de dólares de apoios ($39B públicos e $210B de privados) para dinamizar esta indústria.

Essa fábrica teve os seus planos de abertura adiados por dificuldade em contratar pessoas com as qualificações necessárias. Para referência, estima-se que os EUA têm cerca de 2 milhões de engenheiros (formando 70,000 novos a cada ano). Portugal não consegue competir nem com o capital humano nem com o nível de I&D feito nos EUA.

Então vamos apontar a tecnologias mais básicas. Painéis fotovoltaicos ou baterias talvez? Aí teremos de competir com a China, com a sua capacidade de manufatura, custos relativamente baixos de recursos humanos, legislação ambiental mais permissiva e incentivos estatais enormes.

Não digo que qualquer umas das duas alternativas seja impossível de seguir. O que estou a dizer é que qualquer passo em direção à industrialização tem de ser precedido por uma explicação das dificuldades encontradas nas tentativas anteriores de industrialização, pela avaliação das razões do seu insucesso e por uma afirmação clara de que industrias conseguiremos atrair.