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Crónicas

Um dos paradoxos mais tramados

Em vez de lidar com a nossa incapacidade, para resolver o nosso incómodo perante o que, à primeira vista, sai da norma, escolhemos tantas vezes fazer o caminho, bem mais fácil, do afastamento, do julgamento, da culpa, da condenação e até do castigo, do outro, claro

“Formam uma família tão bonita. Que sorte, ele é bem parecido, tão querido com os filhos e contigo.” A Maria escutou isto (e outras coisas) ao longo de mais de 20 anos. Elogios de primeiras impressões, que acordavam sentimentos contraditórios. Por um lado, sentia que encaixava no modelo de família “perfeita”, tradicional, aquela que a sociedade ocidental espera. Por outro lado, um desconforto imenso por saber que aquelas palavras julgavam um estereótipo que não correspondia à verdade.

Palavras doces e bem-intencionadas que a projetavam para um mergulho profundo na impotência de se libertar da violência psicológica a que estava sujeita às mãos de alguém, que afinal, aos olhos alheios, era um marido e um pai extremoso, um príncipe encantado materializado. Um homem branco, alto, sem tatuagens, piercings ou brincos, a trajar de acordo com as normas sociais, parco em palavras e de aspeto gentil. A mentira que tantos contavam, de tantas vezes escutada, soou-lhe a verdade demasiado tempo. Era como um punhal que lhe atravessava o coração e a alma. Chegou a pensar o defeito era seu. Só que não. A Maria foi mais uma vítima do Efeito Halo. Caiu na teia do fenómeno psicológico inconsciente que acontece quando uma pessoa forma uma impressão geral positiva ou negativa sobre alguém construída a partir de estereótipos universais. É um julgamento precipitado do cérebro humano. O Efeito Halo é dos equívocos mais comuns no comportamento humano. É sobre o primeiro contato visual. É sobre usar a mente para associar um individuo a um estereótipo universal.

O Efeito Halo foi cunhado pelo psicólogo Edward Thorndike, cujas premissas giram ao redor da afirmação de que o cérebro humano é capaz de julgar, analisar, concluir e definir alguém a partir apenas de uma característica. Gera-se assim, um estereótipo universal, com base num único elemento, como a aparência, a condição, a cor, a profissão, forma de se vestir, falar ou a postura. Elementos inscritos no inconsciente. A teoria foi formulada durante a Primeira Guerra Mundial, quando Thorndike analisou os critérios utilizados pelos comandantes do Exército na avaliação dos seus homens.

A tomada de consciência das consequências nefastas deste efeito levou, por exemplo, a que fossem retiradas dos boletins de voto, as fotografias dos candidatos. Uma forma de precaver o efeito da “primeira impressão que fica”. É comum, quando conhecemos uma pessoa e a consideramos simpática, bonita, gentil, tendermos a formar uma visão positiva da mesma, mesmo que esta esteja apenas a interpretar uma personagem.

Este efeito interfere na forma como fazemos julgamentos (de pessoas, objetos ou produtos), quando escolhemos um aspecto em detrimento de outros, podendo contaminar a análise final. O desafio é manter a mente aberta e ponderar as diferentes possibilidades. Além disso, devemos estar conscientes de que a primeira opinião emitida pode criar atalhos para acertos ou erros de um grupo. Isso ocorre porque tememos o isolamento e pela necessidade de adequar o nosso comportamento e opinião às ações do grupo. É assim que sentimos que pertencemos. E é também assim que se cria o efeito manada. É bom termos consciência de que não é apenas o conhecimento que nos liberta do sofrimento fruto da ignorância. É a capacidade de fazer justas associações entre pensamento e a realidade.

E que interessante é, se refletirmos, com honestidade, com base no Efeito Halo (na condição, aspecto, cor...), acerca do que sentiríamos sobre algumas pessoas – ‘esquecendo’ que sabemos que todas elas contribuíram para transformar a humanidade e a tornar melhor: Mahatma Gandhi, Nelson Mandela, Albert Einstein, Martin Luther King, Mala Yousafzai, Marie Curie, Helen Keller...

É fácil perceber que o julgamento com base na aparência é precipitado e perigoso, prejudica relações, aprisiona-nos em estereótipos universais, inconscientes, que sequestram a oportunidade do outro revelar quem na verdade é. Perdemos todos. O mundo para.

O contacto com o outro, sobretudo quando parece ser diferente, é mesmo um dos melhores treinos para o nosso desenvolvimento humano. Sentimos aversão, incómodo, sentimos vontade de julgar e condenar alguém, e aí está matéria-prima de excelência para nos trabalharmos por dentro e evoluirmos para outro patamar.

Quanto à Maria, libertou-se do Efeito Halo, quebrou-se o ‘feitiço’. Foi assim que encontrou, pela primeira vez, o amor honesto, leal, responsável e respeitoso. Verdadeiro. Incondicional. Primeiro em si. Depois num homem. E pasme-se, um homem com “H”, com um coração maior que o próprio e que desafia o Efeito Halo. Que orgulho e alegria. Parabéns, minha querida amiga Maria.