Está tudo trocado

Não consigo fingir o desânimo estrondoso que sinto cada vez que a classe política vem debater o futuro do país, utilizando palavras que a maioria da população não entende, a crédito deles, mesmo que não tenham nenhum, vindo falar em investimento, em investidores, em crescimento, em PIB, em tanta coisa que não chega à base da população, ao mais pobre cidadão por uma barreira invisível que se chama politiquice. Com cerca de 3.5 milhões de pensionistas no país, todos eles, ou quase, alegadamente votantes, é normal que interesse fazer política voltada para esse faixa, especialmente cá na região onde, podemos considerar, a maioria deles tem como a habitação a sua última prioridade. A questão das reformas, da saúde, das ajudas aos medicamentos e afins pesa muito no pensamento desses cidadãos, deixando as “ajudas aos mais jovens” numa espécie de frase bonita que havemos de encaixar ali algures no programa ou nas ideias a transmitir. É tipo aquelas frases: “fomentar, desenvolver a capacidade, bla bla” sem dizer absolutamente nada de concreto, mas toda a gente fica mais ou menos impressionada.

Pergunto-me, porque parece-me que isto está tudo trocado, que futuro quer a classe política quando aqueles que, segundo um ditado antigo, são o futuro, não conseguem habitação própria? O problema da habitação, leia-se: “especulação imobilária fruto da ganância de alguns” impede completamente um jovem de adquir a sua casa. Mas claro, estarei a exagerar porque afinal o salário médio é bem acima dos 1000€ (dados medidos não sei onde) e a taxa de portugueses com habitação própria ronda os 77%, esquecendo-se é de dizer que alguns deles têm 10 ou 20 casas e quantos é que partilham e estão ainda na casa dos pais. Detalhes.

Por um lado, de fora, dizem que as taxas de juro tenderão a manter-se altas a bem de proteger uma coisa que ninguém entende muito bem o que é, mas é preciso manter assim. Por outro e por cá, falamos em medidas de apoio, mais, às empresas e ao “investimento” como se isso se traduzisse, em tempo útil, repito, antes desta geração à rasca emigrar ou, às tantas, morrer, em facilidade ou melhor, nivelamento do custo dos terrenos e das casas à realidade salarial local.

Digam-me, factualmente, como é que vender a casa a um estrangeiro é investimento? Ele terá mais despesas com a casa do que se fosse um jovem madeirense ou porto-santense? O jovem madeirense ou porto-santense, acautelado da maior despesa que, eventualmente, teria na sua vida, não consumiria fora, não ia ao café da esquina, não ia a todos os negócios que um estrangeiro ia? Eventualmente criar a sua empresa? A verdade é que nos tempos que correm não, pois tem que viver na penúria enquanto poupa 50 anos para uma entrada de uma casa e teima-se em não ter coragem suficiente, sem medo de serem chamados de socialistas ou de comunas, de proteger primeiro os nossos. De garantir que as oportunidades são iguais. Foquem-se nos guetos chiques a construir para os madeirenses e depois admirem-se com o aumento das forças políticas extremistas.

João Freitas