DNOTICIAS.PT
Artigos

O poder do silêncio

O nosso mundo produz neste momento mais “som”, seja ele positivo (bem-vindo) ou negativo (barulho, ruído), do que alguma vez na história do planeta. E a maioria das pessoas não gosta do silêncio. Ele obriga-nos a nos confrontarmos com nós próprios. Ao sermos silenciosos, muitas vezes temos o medo de parecermos insignificativos, enquanto queremos que as pessoas reparem em nós, que nos sejam atribuídos alguma relevância e reconhecimento. Mas, na procura da validação da nossa própria importância, levantando a nossa voz exterior estamos em perigo de afundar a nossa voz interior. Procurando fora de nós não validamos o que já temos dentro de nós. A nossa civilização faz-nos “gritar” para nos sobrepormos aos ruídos e barulhos da televisão, rádio, internet, e até aos nossos próprios diálogos internos.

Nem toda a gente tem o luxo, ou a vontade, de passar uma semana num retiro espiritual, seguindo um regime estrito de silêncio obrigatório, meditação, yoga, refeições saudáveis e exercícios de paciência e a tal badalada “mindfulness”. Sem sequer falar sobre os custos apreciáveis deste tipo de intervenção espiritual, hoje em dia muito na moda, muitas pessoas simplesmente já não conseguem soltar-se das armadilhas viciantes que abundam no nosso dia-a-dia e nem se conseguem imaginar privadas dos seus telemóveis, ecrãs e redes sociais.

Um estudo na Alemanha concluiu, em 2002, que nós desenvolvemos uma resposta ao stress causado pelo som circundante (mesmo quando não propriamente lesivo) que nos faz ignorar não só este som em si, mas também outros estímulos auditivos, tal como alguém a falar-nos em simultâneo.

Os resultados dum outro estudo recente, do ano passado, indicaram que as pessoas podem verdadeiramente “ouvir” a ausência do som, quer dizer a ausência de estímulo auditivo. Aparentemente, o nosso cérebro utiliza um mecanismo semelhante para processar tanto o som como o silêncio. Mas será que o silêncio é definido simplesmente como a ausência do som (perspetiva cognitiva) ou conseguimos ouvir o silêncio, propriamente dito (perspetiva percetual)? A pesquisa mais recente sugere que o nosso cérebro regista e processa o silêncio também como um “som”. Às vezes, a cessação imediata do som (ao sair dum lugar barulhento, ou silêncio inesperado num discurso teatral, ou uma pausa repentina numa obra musical) produz um efeito emocionalmente muito distinto. E embora ainda não se consegue explicar a maneira como os nossos cérebros processam o silêncio, os resultados sugerem que, para nós, ele também representa um “som” e não apenas um intervalo entre sons manifestos.

Efetivamente, tudo aponta para a necessidade de fazermos tudo por tudo para o conseguirmos ouvir. Mahatma Gandhi dizia que nunca vamos conseguir ouvir os nossos sons internos se estivermos sempre a falar e que muitos problemas seriam resolvidos se entendêssemos a importância de nos mantermos em silêncio. O poder do silêncio reside na sua capacidade de nos permitir ligarmo-nos a nós próprios e aos outros, enquanto também proporciona espaço para a reflexão, criatividade e cura. Vários estudos demonstram que o silêncio pode estimular o crescimento de novas células no cérebro, melhorar a nossa memória, e soltar a tensão da mente e do corpo.

Como qualquer outro poder, o silêncio pode-nos separar tal como nos pode unir; pode ferir tal como pode curar. O silêncio de emoção negativa é muito diferente do silêncio de contemplação, reflexão e respeito. Para alguns, o silêncio implica a solidão, isolação ou embaraço, e pode sinalizar a retração emocional, desaprovação ou até castigo. Para outros, é um momento de partilha sem palavras, do bem-estar da calma, ou da contemplação do algo de belo.

Dois estudos de 2001 e 2013 identificaram o “modo padrão” do cérebro em que esse, mesmo quando “descansa”, continuamente internaliza e avalia a informação, nomeadamente durante o processo de autorreflexão. Sem distrações, num silêncio exterior e interior, o cérebro tem a liberdade de se situar no nosso mundo interno e externo. Conforme escreveu Herman Melville, o autor do célebre “Moby Dick”, “todas as coisas profundas e as emoções destas coisas são precedidas e atendidas pelo silêncio.”