Atletas russos nos Jogos Olímpicos são "luz verde" à invasão da Ucrânia
Ministro da Juventude e do Desporto ucraniano quer que atletas no exterior falem sobre as atrocidades da guerra
O ministro da Juventude e do Desporto ucraniano opõe-se à presença de atletas russos e bielorrussos nos Jogos Olímpicos, argumentando que a sua participação significa uma "luz verde" à invasão da Ucrânia e à promoção da narrativa de Moscovo.
Em entrevista à agência Lusa, Matvii Bidnyi defende que a Rússia tem protagonizado "violações sem precedentes do direito internacional" e que a representação russa - e também da Bielorrússia, principal aliada de Moscovo - dá aos seus atletas "uma plataforma para promover as narrativas" usadas pelo Kremlin (presidência russa) para justificar a invasão da Ucrânia, iniciada há dois anos, em 24 de fevereiro de 2022.
"É como que dar luz verde para apoiar as ideias dos seus países", prossegue o ministro ucraniano, que recorda exemplos ao longo da história em que as conquistas desportivas foram utilizadas para difundir argumentos de regimes ditatoriais.
O ministro, que ocupa funções interinamente desde novembro do ano passado, aponta o caso da antiga União Soviética, que englobava a Ucrânia, e acolheu os Jogos Olímpicos de Moscovo em 1980, e antes de Berlim em 1936, quando o regime nazi de Adolf Hitler "se aproveitou para exercer poder sobre outros países e afirmar a sua influência".
O Comité Olímpico Internacional (COI) autorizou, em 08 de dezembro do ano passado, a participação de atletas russos e bielorrussos nos Jogos Olímpicos Paris2024, sob bandeira neutra e mediante a condição de não terem apoiado ativamente a invasão da Ucrânia.
Segundo o COI, àquela data, apenas 11 atletas individuais neutros -- oito russos e três bielorrussos -- estavam qualificados para a próxima edição dos Jogos Olímpicos, justificando que não deviam ser penalizados pelas ações dos Governos dos seus países.
Matvii Bidnyi discorda do entendimento do COI e questiona o estatuto de neutralidade ou até mesmo "a condenação silenciosa" de atletas russos da invasão da Ucrânia, sustentando que "o facto de estarem calados também é usado pelo Estado agressor como instrumento de influência", inclusivamente já nas próximas eleições presidenciais na Rússia, previstas para março.
"Se falamos de atletas individuais que se declararam neutros, ou de um pacto de silêncio, continua a ser uma questão de influência e o povo russo tem de estar atento ao que o seu país está a fazer, em vez de se deixar usar como uma espécie de marioneta para que o seu país diga que está tudo bem", frisa.
Para o ministro, aqueles que condenam o regime de Moscovo em silêncio têm de "obter uma influência real e demonstrar que aquilo que o seu país está a fazer é errado", deixando a questão: "Por que deveriam desportistas silenciosos ser autorizados a competir [nos Jogos Olímpicos] se não transmitem a sua influência ao seu próprio povo?"
Até ao final do ano passado, estavam qualificados cerca de 60 desportistas ucranianos para os Jogos Olímpicos Paris2024, que decorrem na capital francesa nos próximos meses de julho e agosto, e que o Governo de Kiev encara, por sua vez, como uma oportunidade para que "o mundo veja que a Ucrânia é forte" e vai resistir à agressão russa.
Nesse sentido, realça o ministro, será também uma ocasião inédita para "os atletas ucranianos mostrarem que, mesmo nos momentos mais difíceis que se possa imaginar, ainda são capazes de lutar e continuar a lutar pela obtenção de êxitos para eles próprios e para o seu país".
Matvii Bidnyi lamenta o impacto da guerra no acolhimento de competições no país, que, segundo dados do seu gabinete, já perdeu 439 atletas e treinadores nos dois anos do conflito, mas frisa que, internamente, as atividades das modalidades prosseguem, seguindo medidas específicas de segurança, mas não se podem comparar às condições existentes no período anterior à invasão.
"Neste momento, é muito difícil treinar. Os treinos são interrompidos por ataques aéreos ou, por exemplo, realizados em estabelecimentos que não são devidamente aquecidos e até no exterior quando faz muito frio", aponta.
Além disso, quando competem internacionalmente, os atletas precisam viajar por terra um dia inteiro até ao aeroporto mais próximo num país vizinho, porque o espaço aéreo civil ucraniano se encontra encerrado desde o começo da guerra.
O ministro da Juventude e do Desporto expressa, por outro lado, gratidão aos países aliados, como Portugal, que recebem atletas ucranianos, permitindo que "tenham oportunidades e prosperem apesar da guerra", mas lastima que em muitas modalidades "nem todos possam ter a mesma oportunidade"
Guerra já matou mais de 400 atletas e treinadores ucranianos
A guerra na Ucrânia deixou 439 atletas e treinadores mortos em dois anos, segundo dados do Governo ucraniano, que pretende que estrelas, como o guarda-redes do Benfica Anatoliy Trubin amplifiquem no estrangeiro a mensagem de resistência à agressão russa.
Em entrevista à agência Lusa quando se assinala o segundo aniversário da invasão da Ucrânia, o ministro interino da Juventude e Desporto, Matvii Bidnyi, indica que as autoridades de Kiev desejam que os cerca de dois milhões de jovens refugiados retornem o mais depressa para participar na reconstrução do país, mas também que as novas gerações que se encontram em países europeus se tornem "embaixadores" da adesão à União Europeia (UE).
Para Matvii Bidnyi, nascido em 1979 em Kiev e no cargo desde novembro do ano passado, "não há nada de positivo em qualquer agressão", como aquela que a Rússia encetou em 24 de fevereiro de 2022 na Ucrânia, "um país enorme e com muitas regiões na linha da frente", destacando o seu impacto em toda a população civil.
"Todas as semanas recebemos notícias devastadoras de jovens e crianças e até famílias inteiras que morrem entre escombros por causa dos bombardeamentos", assinala o governante.
Mesmo as regiões mais afastadas das linhas de combate, como a própria capital, Kiev, sentem os efeitos diretos da guerra, sendo também fustigadas pelos raides aéreos russos, levando a que "jovens e crianças estejam a morrer devido a esses ataques".
De acordo com a Missão de Monitorização dos Direitos Humanos da ONU na Ucrânia, 10.582 civis ucranianos morreram em dois anos de conflito, entre os quais 587 crianças, a que se somam outras 1.298 que ficaram feridas. Mas as Nações Unidas admitem que o total de vítimas reflete apenas os corpos encontrados e a Presidência ucraniana avisa que pode ser cinco vezes superior, ou seja cerca de 50 mil.
O impacto é transversal a toda a sociedade ucraniana e, nas atividades desportivas, o custo da guerra saldou-se no envolvimento de desportistas e treinadores, que "pegaram em armas, juntaram-se ao Exército e estão a combater" na linha da frente, segundo relata à Lusa o ministro.
"Neste momento há mais de três mil desportistas e treinadores que fazem parte das Forças Armadas e 439 morreram durante esta guerra", adianta.
Os números são assoladores e incluem também os cerca de 3,7 milhões de deslocados internos estimados, em fuga das regiões atingidas pelos combates, e que, mesmo à distância em locais menos inseguros da Ucrânia, têm sido vítimas não só dos bombardeamentos como de "apagões", em resultado da destruição de infraestruturas de energia, como sucedeu sobretudo no inverno de 2023.
Este quadro leva a que muitos jovens e crianças não tenham aquecimento nas escolas ou nos centros desportivos, que, no limite, foram inclusivamente destruídos, conduzindo, em muitas ocasiões, a que as atividades decorram em espaços exteriores, e o mesmo acontece com atletas de competição, apesar do frio e da frequência dos alarmes de ataque aéreo.
O ministro refere que o Governo está a tentar localizar estabelecimentos de ensino e de formação para a atividade educativa dos deslocados e para que os atletas, em concreto, não interrompam os seus treinos, deixando igualmente uma palavra para os milhões de jovens refugiados e o seu papel na reconstrução do país.
"Para a Ucrânia, neste momento, é muito importante garantir que o maior número possível regresse desde já", apela, dando conta de que o executivo está à procura de condições para os trazer de volta no imediato.
Por outro lado, o Governo de Kiev tem discutido com Bruxelas os programas de permanência temporária de jovens ucranianos no espaço europeu, merecendo do ministro da Juventude e Desporto um agradecimento a todos os aliados "e em particular a Portugal" pela sua disponibilidade.
No entanto, insiste que o objetivo é fazer com "aqueles que partiram devido à agressão russa regressem quanto antes" e que os que permanecerem fora do país, ao abrigo daqueles programas, "adquiram competências que ajudem no processo de integração na UE e se tornem numa espécie de 'embaixadores' das mudanças e do percurso da Ucrânia" no seu caminho para se tornar num membro de pleno direito.
A mesma função de "embaixadores" é aplicada em relação às estrelas desportivas ucranianas que atuam nos grandes palcos europeus, como é o caso do guarda-redes internacional do Benfica Anatoliy Trubin.
"Quando se trata de promover as narrativas, é claro que para nós é muito importante que as nossas principais estrelas do desporto chamem a atenção para a Ucrânia e para os problemas e para o terror que está a acontecer e elas são os nossos 'embaixadores'", afirma o governante.
Matvii Bidnyi referiu-se também à controversa lei da mobilização militar, em revisão no parlamento, que, entre várias medidas poderá baixar a idade de serviço dos 27 para os 25 anos, agravar penalizações para quem escape ao recrutamento e obrigar os que residem no estrangeiro a manterem os dados atualizados.
Lembrando que o país está sob lei marcial desde o início da guerra e que a resposta à mobilização "é um dever de todos", incluindo dos desportistas de competição, o ministro ressalva que a legislação prevê exceções e mecanismos para os atletas de topo "em consideração pelos seus feitos", através de uma extensão dos prazos antes de serem recrutados para as Forças Armadas, o que ainda não é o caso de Trubin, que tem apenas 22 anos.
O governante salienta "o sentido de pertença" das novas gerações à Ucrânia, num país com "uma história muito longa e complicada", e onde "as gerações mais velhas, as que nasceram durante a União Soviética e antes da independência, enfrentaram muitas lutas ao longo da sua vida".
Os jovens, segundo Matvii Bidnyi, apesar de serem posteriores à independência do país, declarada em 1991, ou muito novos quando há uma década se deu a Revolução da Dignidade, ou os protestos EuroMaidan, que afastaram Kiev da influência russa, "identificam-se claramente como ucranianos, associam-se à Ucrânia, à sua história e aos seus valores", com o ministro a salientar que esta é altura destas novas gerações continuarem a promover o seu orgulho nacional.
"Numa perspetiva futura, é importante que estes jovens, que sentem este incrível sentido de responsabilidade e de pertença, se tornem uma espécie de representantes das mudanças e da aceitação das mudanças na Ucrânia", declara, frisando que serão eles que "reconstruirão o país depois da guerra e mais adiante".