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Explicador Madeira

Viver com Asperger

A 18 de Fevereiro assinala-se o Dia Internacional da Síndrome de Asperger, que afecta 40 mil pessoas em Portugal

A data, escolhida por ser o dia de nascimento do psiquiatra austríaco Hans Asperger (1906-1980), o primeiro médico a descrever este transtorno, procura sensibilizar para os desafios de quem sofre com este distúrbio

Por um lado, a timidez, o perfeccionismo, a falta de compreensão das regras sociais e a dificuldade em fazer amigos. Por outro lado, a genialidade de nomes como Albert Einstein, Van Gogh, Beethoven, Newton, Bill Gates ou Leonel Messi. São estas algumas das ideias que nos vêm à cabeça quando da Síndrome de Asperger. Mas o que sabemos realmente sobre esta perturbação?

O que é?

A Síndrome de Asperger é uma perturbação do neurodesenvolvimento, actualmente enquadrada na Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) nível 1, de acordo com a última revisão do Manual de diagnóstico e estatística das Perturbações Mentais (DSM-V).

Carateriza-se por: dificuldades na comunicação verbal e não-verbal, alterações da interação social recíproca, bem como comportamentos repetitivos e interesses restritos.

Apesar de partilharem os desafios na área da comunicação, interacção social e no comportamento que caracterizam as PEA, as crianças com síndrome de Asperger não apresentam atraso significativo na linguagem e mostram um nível cognitivo normal ou mesmo acima da média em algumas áreas.

Sintomas

As manifestações mais típicas da síndrome de Asperger são:

  • A dificuldade em manter um contacto ocular confortável e utilizá-lo de forma dinâmica em conjugação com outras formas de comunicação;
  • Desafios em descodificar mensagens para além do conteúdo verbal explícito, em relação com o tom de voz, segundos sentidos, ironia, humor, expressão facial e corporal. Estes sinais são pistas fundamentais para inferir sobre o pensamento, sentimentos e intenções das outras pessoas;
  • Pode existir pouca iniciativa de comunicação e/ ou comunicação muito centrada nos tópicos de interesse e na perspectiva do próprio, com pouca oportunidade de participação de outras pessoas. A pessoa com esta condição tem dificuldade em avaliar o real interesse do outro na conversa, podendo tornar-se demasiado extensa e aborrecida para o ouvinte; pode ser dada grande importância a detalhes que não interessam à maioria das pessoas;
  • São frequentes temas de interesse marcado, que dominam as conversas ou actividades;
  • A rotina é apreciada e as alterações podem causar ansiedade e alguma instabilidade no comportamento;
  • Podem existir sensibilidades sensoriais, particularmente em relação ao ruído, com incómodo com sons que não afectam a maior parte das outras pessoas;
  • É frequente algum grau de descoordenação motora que afecta a destreza e o envolvimento no desporto.

A expressão da Síndrome de Asperger no feminino assume características ligeiramente diferentes. Por exemplo, apresentam maior facilidade no contacto ocular, usam mais estratégias de ajustamento específicas para atenuar/ disfarçar o desconforto em situações sociais, têm mais facilidade em imitar comportamentos socialmente aceitáveis e podem refugiar-se num mundo de fantasia. Algumas meninas também preferem preferir envolver-se em brincadeiras mais activas do ponto de vista motor e não tanto dependentes da comunicação e linguagem (mais difícil), podendo ser consideradas “maria rapaz”.

Em ambos os sexos, existe maior prevalência de outras condições do neurodesenvolvimento, como o défice de atenção, a perturbação de tiques, a ansiedade e a depressão, que precisam de ser reconhecidas e tratadas.

Causas

Não se conhece especificamente as causas da Síndrome de Asperger, admitindo-se a preponderância de factores genéticos, já presentes à nascença, como acontece nas PEA em geral. Os genes que têm vindo a ser identificados estão envolvidos no desenvolvimento cerebral, influenciando a transmissão de sinais entre os neurónios e a forma como a informação é processada.

Quantas pessoas estão diagnosticadas com esta perturbação?

Esta síndrome é bastante mais comum do que o autismo clássico. Enquanto este afecta cerca de quatro em cada 10 mil crianças, a síndrome de Asperger afecta 20 a 25 por cada 10 mil. Em Portugal, segundo a Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger (APSA), calcula-se que serão 40 mil portadores desta síndrome.

Na Madeira, embora não haja estudos em relação ao número de casos, verifica-se uma tendência para um aumento da prevalência desta perturbação, conforme apontava ao DIÁRIO, a pedopsiquiatra Corina Rodrigues, em 2022.

Em 2019, o neuropediatra Rui Vasconcelos indicava que a Síndrome de Asperger afectava já cerca de 1.250 madeirenses. Segundo o médico especialista, um em cada 100 habitantes sofre desta patologia, atingindo, no total, “mil adultos e 250 crianças e jovens” que apresentam dificuldades no relacionamento com outras pessoas e na demonstração de emoções.

Diagnóstico

O diagnóstico da Síndrome de Asperger é clínico, ou seja, é baseado na história e observação do comportamento do indivíduo, com recurso a avaliações de desenvolvimento e entrevistas estruturadas.

Quando os pais notam algumas destas alterações atrás descritas devem sempre recorrer ao seu médico assistente que fará depois o encaminhamento para os especialistas nestas perturbações nomeadamente a Pediatria do Neuro desenvolvimento, Neuropediatria e Pedopsiquiatria.

É importante que esta avaliação seja cuidadosa e realizada por profissionais com experiência na área, sob pena de produzir excesso de diagnósticos em pessoas que têm apenas alguns traços de comportamento diferentes (um certo “feitio”), mas sem sintomas ou repercussão suficientes para receberem um diagnóstico.

Que opções terapêuticas que existem na RAM?

Perante uma situação que chega aos serviços de saúde a criança/adolescente é sempre feita uma avaliação clínica e a obtenção de informação do seu comportamento em contexto familiar e escolar.

Esta avaliação engloba uma equipa multidisciplinar que pode incluir a Psicologia, Terapia Ocupacional, da Fala e Psicomotricidade. Dependendo da situação estas crianças são acompanhadas nos vários contextos em que estão inseridas.

Na RAM, para além do apoio ao nível hospitalar e dos centros de saúde, as escolas estão sensibilizadas para estas situações e mantêm também um acompanhamento nas várias valências necessárias. Existem também identidades dedicadas a esta realidade, nomeadamente, a APPDA – Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo da Madeira.

Fundada, em 2005, por um grupo de pais, esta IPSS trabalha com crianças, jovens e adultos com perturbações do desenvolvimento e autismo na Região, com o objectivo melhorar de qualidade de vida destas pessoas e das suas famílias.

Os portadores de Asperger podem ter uma vida social dita normal?

Ao longo do tempo, os desafios das crianças e jovens com Síndrome de Asperger interferem no relacionamento e integração com os pares, no desenvolvimento de amizades e, mais tarde, na integração laboral.

Por ser considerada uma PEA, embora com expressão mais ligeira, os especialistas são unânimes em afirmar que ainda existe estigma em relação aos seus portadores, afectando de forma profunda a sua vida e as actividades sociais, a começar pela escola, onde muitas vezes são sujeitas a bullying.

A falta de informação de uma parte da população leva sempre a uma grande estigmatização e exclusão dos portadores desta perturbação Corina Rodrigues, pedopsiquiatra

“A melhor forma de combater esta situação é existir uma maior divulgação do que são as PEA, dos meios existentes na comunidade para que as famílias possam recorrer quando começam a notar que algo não está bem com os seus filhos, para que possam ser aconselhadas e que se inicie uma intervenção o mais precocemente possível”, conforme refere Corina Rodrigues.

O fundamental na intervenção é estimular as suas áreas mais deficitárias, como as suas competências sociais e reduzir os seus comportamentos mais mal adaptativos 

“Com uma intervenção precoce e adequada, muitos adultos são capazes de funcionar de forma independente e autossuficiente”, sublinha a pedopsiquiata.

Refira-se, a título de curiosidade que, segundo dados da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), estavam referenciados no ano lectivo de 2022/2022, 104 dos quais com Perturbação do Espectro do Autismo.