Presunção, água-benta e outras definições
Ponto prévio: este artigo foi pensado e escrito muito antes de se saber da restituição da liberdade e das medidas de coação. Confesso que hesitei sobre se ainda valeria a pena publicar.
Concluí que, como o que está em equação são valores de amizade e respeito, vale sim.
Aqui fica:
A vida foi-me ensinando desde muito jovem a olhar para os valores de amizade e respeito pelos direitos dos outros independentemente de tudo os que fossem abrangidos pelo conceito de respeito e amizade pudessem ter feito para que a sua liberdade individual fosse ameaçada. O meu Pai tinha, por volta do ano de 1950 (eu ainda não era nascido), um amigo que tinha sido detido e preso por um delito de opinião: era comunista! Naquela época era problemático manifestar simpatia ou solidariedade por quem estivesse preso por um delito daqueles, já que quem prendia quem os tivesse “cometido” era a temida PIDE. Fiel aos seus princípios e que nos foi ensinando, a mim e aos meus irmãos, o meu Pai foi o único, e repito, o único amigo que o ia regularmente visitar à prisão onde estava encarcerado, durante o período em que o amigo esteve privado da sua liberdade. Esse Amigo, reconhecido, ofereceu no Natal desse ano um livro – “A França”, escrito por um outro comunista, Alves Redol, que o meu Pai recebeu com muito carinho, com dedicatória, livro esse que ainda guardo na minha biblioteca, também com muito carinho. Quando olho para ele, recordo-me sempre dos valores da amizade e do respeito com que devemos tratar os que nos dão o privilégio de serem Amigos, independentemente de tudo o que a vida nos faz passar!
É inevitável, nesta altura, não deixar passar estes valores que me têm norteado. Sou amigo e prezo a amizade do Avelino, do Miguel e do Pedro (por ordem alfabética) e nutro pelo Custódio um grande respeito (a nossa relação, não sendo de tão longa amizade como a que tenho há décadas com os outros três é, sem dúvida, de respeito mútuo). Trato-os na primeira pessoa porque aos três primeiros conheço-os há muitos anos e, sendo o último de um conhecimento mais recente, para além da amizade tenho grande respeito pelo trajecto de vida que foram fazendo.
Sou, portanto, parcial no que respeita aos valores da amizade e respeito!
Não conheço nem li os argumentos que levaram às suas detenções. Sei somente o que a Comunicação Social tem escrito e dito e foi baseado nessas informações jornalísticas, veiculadas por profissionais que têm por desígnio passar para a opinião pública a verdade e nada mais que a verdade! (enfim…), e é à luz do que é público que me rejo em relação à amizade e ao respeito que me merecem os envolvidos, e aos valores que me foram inculcados.
O que escrevi acima, fi-lo porque é praticamente impossível não comentar o que temos vivenciado. Não faço qualquer paralelo com os delitos, o do amigo do meu Pai e os recentes, em primeiro lugar porque o primeiro nunca poderia ser delito, e os segundos porque ainda não o são; uma suspeita não é, não deveria ser, automaticamente transformada em delito, em termos puramente judiciais, mas é-o infelizmente em termos de divulgação para a opinião pública e tantas vezes publicada (o caso do diamante que teria sido avaliado pela Casa da Moeda mas que afinal não foi, é paradigmático da falência da verdade a que a divulgação das notícias se faz sem se reger por valores que são caros à maioria dos seus agentes!). Mas não fazendo qualquer paralelo aos delitos, posso fazê-lo quanto aos valores. Foram esses valores de amizade que, independente da causa do pretenso delito, levaram o meu Pai a visitar um Amigo em estado de prisão, e são por esses valores que não renego as amizades que tenho pelos Amigos já referidos, e que manterei independentemente do resultado das investigações em curso.
A propósito das mesmas e da forma como foram tratados pela opinião pública ajudada pela opinião publicada, procurei algumas definições em dicionários ou em conceitos, existentes na internet.
Vamos ver no que dá:
Água-benta – de acordo com o catolicismo e outras convicções cristãs, água que foi santificada por um sacerdote com o propósito de baptismo, bênção de pessoas, lugares e objectos, ou como forma de repelir o mal.
Presumir – tirar uma conclusão antecipada baseada em indícios e suposições e não em factos comprovados; conjecturar; supor; supor antecipadamente; prever; pressupor; achar; m.q. pressupor (fazer supor).
Presunção – acto ou efeito de presumir; suspeita; conjectura; afectação; vaidade; sentimento ou opinião de valorização que alguém tem em relação a si próprio; imodéstia; vaidade; em Direito – consequência ou ilação que a lei deduz de um facto conhecido para um facto desconhecido; em Direito – dedução estabelecida pela lei dispensando a prova.
A voz do povo diz que “presunção e água-benta cada qual toma a que quer”, isto é, para a vaidade e devoção não há limites estabelecidos, ou seja, presumir que se sabe algo mesmo que não se saiba oficialmente a sua veracidade, sem provas e sem consequências, tal como a água-benta pode ser usada na quantidade que se bem entender sem consequências; a expressão indica que se está a presumir abundantemente sem provas, o que pode conduzir ao sentimento ou opinião de valorização que alguém tem em relação a si próprio, à imodéstia, à vaidade já vista na definição acima de presunção, consequência que a lei faz deduzir de certos actos ou facto, que fica estabelecida como verdadeira, às vezes até mesmo havendo provas em contrário.
Justiça – qualidade do que está em conformidade com o que é direito; maneira de perceber, avaliar o que é direito, justo; o reconhecimento do mérito de alguém ou algo; conjunto de órgãos que formam o poder judiciário; tomar a si o encargo de julgar e punir; vingar-se.
É um conceito abstracto que se refere a um estado de interacção social onde há um equilíbrio, por si só razoável e imparcial entre os interesses, riquezas e oportunidades das pessoas envolvidas em determinado grupo social. Num termo mais amplo pode ser considerado como um termo que designa o respeito pelo direito de terceiros à aplicação ou reposição do seu direito por ser maior em virtude moral ou material (como se pode ver, a definição baseia-se em grandes conceitos filosóficos em que cada um puxa a brasa à sua sardinha por forma a adequar a sua vontade à sua realidade e fazer dela lei. A “discussão” de todos os conceitos daria para vários volumes que, como é fácil de concluir, não cabem num pequeno artigo de opinião).
Culpa – consciência mais ou menos penosa de ter descumprido uma norma social e/ou um compromisso (afectivo, moral, institucional) assumido livremente.
Culpado – que tem ou cometeu culpa; causador de mal ou dano; implicado; acusado; criminoso ou tido por criminoso
Inocência – qualidade ou estado de inocente; ignorância do mal; pureza; simplicidade; ingenuidade; isenção de culpa.
Inocente – cândido; puro; imaculado; ingénuo; inofensivo; que ou quem não tem culpa; que ou quem é ingénuo.
Estas definições formam um caldinho de água-benta para as presunções dependentes do prisma por onde se olhe ou se queira olhar um eventual problema: quem acusa presume que há culpa e culpados e que defende presume que há inocência e inocentes!
Ácido lisérgico - O ácido lisérgico é um percursor de um grande número de alcaloides da ergolina, que são produzidos por um fungo – esporão do centeio. As amidas do ácido lisérgico têm sido largamente utilizadas como fármacos com propriedades bem conhecidas principalmente nos idos anos 60 do vigésimo século depois de Cristo, sendo a mais conhecida a dietilamida do ácido lisérgico.
De uma forma ou de outra, sem valores por onde se agarrar, a maioria dos doutos comentadores e tantos outros agentes que tão profusamente estão dentro dos meandros de uma coisa que deveria estar em “segredo de justiça”(!), há uma sensação de alucinação colectiva comparável aos efeitos da tal dietilemida do ácido lisérgico!
P.S. 1 – vou manter os valores que me têm regido reafirmando que a amizade que nutro pelos ora arguidos que se viram privados de toda a presunção de inocência a que deveriam ter direito e que se transforma em presunção de culpa pela pressão da opinião publicada.
P.S. 2 – LSD é o nome pelo qual responde a tal dietilamida do ácido lisérgico.