Os “jeitinhos” deram para o torto
De um dia para outro, a vida política da Madeira mudou. Quem poderia antevir a hecatombe de instabilidade política e suspense quanto ao futuro da governação da Madeira que estamos a viver desde o dia 24 de janeiro?
Passadas quase 4 semanas, a saga continua com as recentes declarações de Ireneu Barreto, o representante da República para a Madeira, afirmando que o Governo “permanecerá em gestão” até que o Presidente da República decida se convoca ou não eleições. E voltamos nós ao princípio da confusão política. Já todos sabemos que a decisão oficial de irmos para eleições antecipadas só pode ser tomada após 24 de março. Estamos há tempo demais neste engonhanço. Já é tempo de haver clareza de discurso do que se prevê fazer no futuro. O que querem com tudo isto? Ganhar tempo? Para quê? A favor de quem?
É mais do que evidente a prudência por parte de Marcelo sobre esta situação, muito comum em quem exerce a política há muitos anos, mas pela sua experiência também já deveria entender que, por vezes, há momentos na política em que há que arriscar. A sorte de Marcelo é que está no seu último mandato. O Presidente Marcelo nem imagina o impacto que isto está a ter na sua imagem. As pessoas começam a ficar fartas e desejam ação. É incontornável a discussão de eleições antecipadas.
Estamos há tempo demais com esta dúvida. E isto cansa. Cansa tanto que arrisca a afastar as pessoas da política. Estou curiosa para saber o efeito disto tudo na abstenção nas próximas eleições para a Assembleia da República. Vencer pelo cansaço é uma estratégia muito antiga. E em política, com uma boa campanha de comunicação, nada impede que os agora acusados sofram uma metamorfose e se transformem nos putativos “salvadores da pátria”. Veja-se a evolução no discurso de Miguel Albuquerque. O tom usado agora nas declarações políticas é completamente diferente do tom usado no dia em que acordou com a Polícia Judiciária à porta. Está a tentar ganhar fôlego e a sobreviver politicamente.
Dito isto, quero partilhar convosco as minhas convicções pessoais sobre os processos judiciais. Não sou a favor das execuções públicas. Defendo que todo o cidadão tem direito à sua defesa. Posso não concordar com as pessoas. Posso desconfiar da sua idoneidade e da sua atuação, mas defendo até à minha mais profunda essência a possibilidade de se defenderem. Se não defendermos este princípio, arriscamo-nos a ser exatamente iguais aos ditadores e aos déspotas. Gosto muito do princípio de vida - Não faças ao outro o que não gostarias que te fizessem.
Contudo, em termos políticos, a mediatização deste processo faz-me opinar que quanto mais cedo estes intervenientes políticos saírem da cena pública, mais estarão a preservar o partido a que pertencem.
Lembro que o tempo da justiça não é o tempo da política. E a justiça portuguesa é lenta na resolução deste tipo de processos, sobretudo pela quantidade exorbitante de documentação a analisar.
Não podemos esperar pela resolução do caso a nível judicial para encontrarmos uma solução política. É evidente que, com as acusações efetuadas, ainda que não provadas, os intervenientes não têm legitimidade política para continuarem nos cargos.
Veja-se a diferença de comportamento entre o que aconteceu com as rusgas no Gabinete do primeiro-ministro António Costa com o que aconteceu aqui na Madeira. Nos dois casos, encontraram-se envelopes, mas compare-se a diferença de comportamento. Costa percebeu o impacto político do incidente e tinha uma maioria parlamentar que lhe permitia governar. Optou por sair e disse-o claramente. Albuquerque continua na luta pela sobrevivência, tendo apenas uma maioria parlamentar com o CDS-PP e o PAN. Nem tudo o que luz é ouro e nem toda a oportunidade é para o bem. Não há outra solução para os parceiros de acordo parlamentar a não ser seguirem uma estratégia de contenção de danos. A sabedoria popular afirma: “Diz-me com quem andas que eu te direi quem és”.
A estratégia interna do PSD-Madeira de “queimar” tudo o que está à volta com medo de tudo e todos os que poderiam vir a fazer sombra tem agora as suas consequências. O partido pós Albuquerque e sem Calado está num vazio. E agora? Vão arriscar um processo interno de eleição em que se afastam novamente pessoas?
Podem dizer que estão preparados para governar, mas vão ter de correr e bem nesta “corrida de estafeta”.
Com tudo isto, esperemos que os responsáveis políticos e os dirigentes da administração pública tenham aprendido, de uma vez por todas, a necessidade de cumprirem o rigor técnico na abertura de concursos públicos, sem “jeitinhos”.