"Não é esta a Autonomia que precisamos"
Dina Letra durante a apresentação do Manifesto Eleitoral do BE-Madeira, que contou com apoio de Francisco Louçã
Com um PIB que deverá ter atingido 6 mil milhões de euros em 2023, o Bloco de Esquerda não entende como na Madeira continuam tantos problemas sociais. Este é o principal ponto de apoio do Manifesto Eleitoral do Bloco de Esquerda-Madeira, que teve como oradores Dina Letra, coordenadora regional, bem como Francisco Louçã, ex-líder nacional.
Ora foi precisamente por aí que Dina Letra começou, naquele que é "o maior valor de sempre, mas na rua onde nós estamos, as pessoas dizem-nos que o salário não chega ao fim do mês e que as pensões são miseráveis e que têm de ir ao supermercado e à farmácia devagarinho, se não fica lá tudo de uma vez", começou.
"E isto não pode ser, isto não é admissível, isto não é autonomia que queremos e conquistámos", defende. "Há dinheiro para alimentar a máquina dos jobs for the boys, no governo, nas empresas públicas, nas casas do povo. Há dinheiro na economia e nos cofres do governo. Os números do turismo e da receita fiscal crescem. Os quartos dos hotéis nunca estiveram tão caros, mas quem trabalha, seja na função pública ou no seu setor privado têm aumentos miseráveis e temos quase 10% dos trabalhadores que é pobre. E o salário não chega para pagar as contas".
Continuando, aponta o dedo ao "capitalismo selvagem que persegue o lucro a qualquer custo, que promove o mérito do indivíduo como forma de acabar com a força da contratação coletiva está a extinguir a classe média" e, por isso, "é preciso defender quem trabalha, das políticas liberais que empobrecem a região e o país. É preciso dar mais força a quem reclama o aumento dos salários e das pensões, a quem exige uma redução dos impostos e o aumento do poder de compra da população. É preciso dar mais força a quem defende o serviço público de saúde eficiente e célere, a quem reivindica melhores condições para os jovens, quer para aqueles que estudam, quer para os que trabalham e não podem deixar a casa dos pais devido aos baixos salários e à precariedade. É preciso dar mais força a quem tem coragem de defender os direitos das mulheres e de todas e todos os excluídos de uma sociedade patriarcal, machista e conservadora. A quem tem coragem para exigir um diferencial máximo entre remuneração mais elevada e a mais baixa, quer no Estado, quer no setor privado. E a quem reclama o fim dos vistos gold, que tanto serviram para a lavagem de dinheiro de origens obscuras como para onerar mais e mais e cada vez mais o preço das habitações na Madeira".
Para Dina Letra, o Bloco de Esquerda sabe que "todos os partidos de direita estão sempre do lado do capital e dos empresários, que sempre se opuseram ao aumento do salário mínimo e vimos o que se passa com os salários intermédios, que não querem criar tectos para as rendas, não querem travar a especulação imobiliária e acabar com os monopólios. Não tínhamos dúvidas, o PSD dá migalhas ao povo, promete muito tempo em tempo de eleições, mas desbarata milhões em projetos que não servem para nada, senão para ir buscar dinheiro ou erário público, e àquilo que é de todos nós", acusa. "Enquanto vende serviços públicos essenciais à população e distribui milhões do PRR ao orçamento regional pela elite que explora o regime e que, geração após geração, é protegida por todos os privilégios. Mas não tem de ser assim. Não pode continuar assim. Não é esta a autonomia que precisamos".
Disse ainda muito mais, mas retemo-nos nestas últimas ideias: "A política é feita de escolhas. E o Bloco de Esquerda escolhe defender os madeirenses em todos os palcos políticos. Uma deputada ou um deputado do Bloco de Esquerda na Assembleia da República irá lutar por um salário que dê dignidade a quem trabalha e que não obrigue o jovem a emigrar. Irá colocar o direito dos madeirenses numa habitação à frente da especulação imobiliária e dos interesses dos investidores. Irá propor mais justiça fiscal para pessoas e para empresas em que quem ganha mais, quem lucra mais, também paga mais, para que possamos esbater as desigualdades que temos no nosso região e no nosso país. Mas não é apenas isso que um deputado ou uma deputada do Bloco de Esquerda pode fazer na Assembleia da República. Sabemos que o contencioso da autonomia tem sido alimentado pelo PSD Madeira em benefício político próprio e de um pequeno grupo que gravita em volta de poder, sem nunca ter contribuído de facto para resolver o que quer que seja, mesmo que agora tenha um monte de cartazes espalhados a exigir muita coisa. Há diversos assuntos pendentes com a República que precisam de solução, e o Bloco está pronto para fazer este caminho com a força que o voto dos eleitores lhe der. Precisamos de um diálogo construtivo e que possa de facto melhorar a vida dos madeirenses. Entendemos que o Estado deve garantir e investir na coesão social e territorial em todo o país, e nesse sentido é necessário ser mais solidário com as suas regiões ultraperiféricas."
Francisco Louçã diz que grupos económicos revelam “exibição de arrogância”
Em acção de campanha, aliás de apoio à campanha do Bloco de Esquerda na Madeira para as próximas eleições, o fundador e histórico dirigente do partido, Francisco Louçã, veio hoje trazer uma palavra de solidariedade, mas não sem antes falar da actualidade nacional e mundial.
Desde a Ucrânia à Palestina, Louçã foi claro quanto à posição do BE no que à autodeterminação dos povos diz respeito, lamentando a violência armada que tem ensombrado esses dois territórios, contudo esse foi tema de abertura apenas. "Estas eleições legislativas são uma disputa em todo o território pelas mesmas questões", disse, entrando no assunto que o levou ao evento. "Cada região ou cada distrito traz suas particularidades e a Madeira tem muitas, como se tem visto nos últimos dias e nas últimas semanas, mas há uma coisa que nos junta a todos. Estamos a escolher um governo para a República. Estamos a escolher uma maioria para a República. Estamos a escolher as representantes e os representantes no Parlamento da República. E a determinar também como é que em cada região se configuram as forças políticas para fazer disso uma resposta nacional", advogou.
Por isso, Francisco Louça entende que "esse combate é uma disputa que tem características novas", isto "porque como se vê com a ascensão da extrema-direita, a direita está a transformar-se e está a tornar-se mais agressiva", advertiu os presentes. "Já conhecemos muito do passado. E os que se lembram do que se passava nesta região, nesta cidade e em tantas outras, com ameaças bombistas, com ameaças aos direitos dos sindicalistas, com ameaças à liberdade democrática, com restrições à liberdade de opinião e da comunicação social, bem sabem que em momentos fortes a direita sai do armário com os seus cacetes mais agressivos".
E continuou: "Mas está a fazê-lo agora. Está a fazê-lo agora. E puxar para a extrema-direita, que viram bem o debate da Mariana Mortágua com o André Ventura. E o incómodo tremendo que ele tinha por se tocar no ponto decisivo. Por que é que o capital está agora a financiar uma intervenção de extrema-direita? Já financiou outras? O PSD, olhem para a Madeira. Portanto era sem rei nem rock ou com muito rei e com muito rock. Agora, surgirem os donos dos CTT's, empresários de referência em grandes grupos económicos, a pagar às milícias, à política da extrema-direita, isso é um atrevimento, é uma exibição de arrogância, de poder e de vontade que nunca tinha acontecido nos últimos 20, 30, 40 anos."
O também docente universitário lembra que "é preciso ir muito para trás para ver isso. Muito para trás. E esta transformação da direita só quer dizer que há hoje mais pressão contra o trabalho. Há mais pressão contra os salários, há mais pressão contra as pensões, há mais pressão contra a educação, contra a saúde, contra os direitos que foram sendo constituídos e que são os pilares da democracia", adverte. "A democracia não existe sem eles. A democracia é vazia sem eles. Direito de voto tem tanto valor, e todo o valor, como direito a um serviço nacional de saúde. Não há um sem outro. Não há um sem outro. E que isso seja atacado é a prova de como a direita se tem vindo a transformar".
Agora, "destas eleições nós estamos a sentir o sofrimento de um país depois, particularmente dos últimos dois anos. Lembram-se das últimas eleições? Se tivermos maioria absoluta, estabilidade. Se tivermos maioria absoluta, soluções para o país. Nem soluções, nem estabilidade. Pior é isso do que isso. Instabilidade política completa. Houve, em média, um ministro ou secretário de Estado a demitir-se por mês, durante o ano e meio da maioria absoluta. No tempo da Geringonça não houve um. Dos quatro anos em que havia um controle político, uma pressão, um compromisso, uma obrigação, não houve um. Em ano e meio foram 13. Um atrás do outro, por razões, algumas totalmente injustificáveis ou totalmente escandalosas", lamenta.
Mas, pior do que isso, frisou, "pior que a instabilidade política é a instabilidade social. É só saberem que se vão para um grande hospital, numa das grandes áreas urbanas, podem ficar 20 horas à espera numa urgência, porque o serviço não tem resposta e não está organizado. Saberem que não funcionam as respostas essenciais. E, desse ponto de vista, a maioria absoluta o que provocou, a maioria absoluta do Partido Socialista, foi o agravamento dos problemas nacionais, na habitação em particular", vira atenção.
E confirma: "Pode ter algum governo orgulho em que a sua capital do país seja a cidade mais cara para alugar da Europa? Mais cara da Europa. É Madrid, é Berlim, é Paris, é Roma? Não. É Lisboa. E, como bem sabem, o preço da venda da casa e do aluguel no Funchal ou noutras zonas da Madeira vai no mesmo caminho. Saltou nesses últimos anos, como nunca tinha acontecido anteriormente, porque se conjugaram as políticas de um Governo Regional do PSD, de um Governo nacional com a maioria absoluta do Partido Socialista, a promover o aumento dos preços, a favorecer o imobiliário, a favorecer a finança, quem festeja mil milhões de euros, de lucros de um banco, mais 800 de outro, sabe que esse dinheiro vem das famílias que estão a pagar juros pela sua habitação."
E continuou: "E isso é que é instabilidade. É isso que provoca a instabilidade. E, portanto, a maioria absoluta foi isso. Deixou-nos um rastro de destruição de problemas e de preocupação. Na saúde, a mesma coisa. No debate entre Pedro Nuno Santos e Mariana Mortágua, ela apresentou propostas sobre exclusividade, sobre as carreiras, sobre ir buscar médicos ao privado, sobre garantir os serviços de referência, coisa a qual o Partido Socialista nunca pode responder. E nós todos sabemos porque é que não pode responder. Porque, na verdade, escolhiam um ministro da Saúde que, quando era médico num grande hospital público, trabalhava ao lado num hospital privado. Como é que um ministro assim pode defender exclusividade? Como é que pode defender carreiras sobre o Serviço Nacional de Saúde se ele próprio é o exemplo de como se está num lado e noutro e, portanto, se abandona a ideia, tem que haver uma dedicação equipas com médicos, com enfermeiros, com técnicos diagnósticos e que façam o trabalho para que a saúde seja uma confiança. Portanto, isto foi a maioria absoluta."
Para Francisco Louça é isto que está em causa nestas eleições, reafirmando que "disputamos uma alternativa que seja consistente para obrigar a virar a página. Para mudar. Virarmos a página da austeridade em algum momento, e ela continua sempre, a tentar voltar a ameaçar-nos. Virar a página da maioria absoluta. Virar a página da política da saúde. Virar a página da política da habitação. Virar a página do salário. Proteger as pensões. Há um ano atrás, o governo estava a dizer, satisfeitíssimo com a sua maioria, que era um problema se as pensões continuassem a aumentar pelo nível da inflação", recorda.
"Ou seja, a não ser que os pensionistas percam o poder de compra, uma correção menor que a inflação, quer dizer, ter menos pensão, a não ser que percam, o sistema vai estar em risco. Era mentira. Foi baseado num documento falsificado. Era mentira. Não há nenhuma razão para que um governo, cujas receitas fiscais beneficiam da inflação, porque a principal é o IVA, pago sobre os bens de consumo, portanto, sobre o supermercado, não tenha, por obrigação e por decência, que pagar as pensões para que ninguém perca em relação à inflação, e na verdade, para que as pensões mais baixas também vão recuperando. Isso é o princípio elementar de uma política social. E essa ameaça, essa desvalorização do salário da pensão, como na habitação ou na saúde, foi a marca que nos trouxe, finalmente, à crise política", acusa e propõe.
"Eu creio que é por isso que a batalha do Bloco de Esquerda aqui na Madeira e no conjunto do país é tão determinante. O Bloco de Esquerda quer determinar o rumo político, quer ser decisivo, quer dar a certeza às pessoas políticas que defende, se impõem como alternativa. Não estão à espera que todos os compromissos necessários são para garantir a saúde, ou para garantir a educação, ou para garantir as pensões, ou para garantir o progresso dos salários e os direitos dos trabalhadores contra a precariedade que os vai atingindo. E isso que faz uma esquerda de confiança e uma esquerda de força", defende.