Terá o Governo Regional deixado apodrecer um navio de investigação e agora quer construir outro?
No Telejornal da RTP da última quarta-feira, o presidente da Agência Regional para o Desenvolvimento da Investigação, Tecnologia e Inovação (ARDITI), Rui Caldeira, alertou que a demissão do Governo Regional coloca em risco um dos projectos mais ambiciosos do Observatório Oceanográfico da Madeira, que é a construção de um navio de investigação, no valor de 20 milhões de euros, financiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Era mencionado que, “ao contrário dos Açores, a Madeira nunca teve um navio de investigação”. Nas redes sociais, alguns cidadãos madeirenses apressaram-se a garantir que tal não é verdade, pois a Madeira já teve um navio de investigação e que o deixou “a apodrecer”. Terá sido mesmo assim?
O projecto da ARDITI, agência da qual o Governo Regional é o maior accionista, mereceu críticas severas da parte do velejador Miguel Sá. No Facebook, insurgiu-se contra os custos deste projecto, não só pelo investimento inicial que é necessário (20 milhões de euros) como também pelos encargos de manutenção.
O empresário de passeios marítimos Pedro Mendes Gomes e Paulo Farinha também questionaram os custos de manutenção do novo navio. Este último sugeriu que seria mais vantajoso se as instituições da Região apostarem em parcerias com instituições nacionais e estrangeiras que dispõem de “navios científicos bem apetrechados” e que “de vez em quando realizam pesquisas nos mares profundos da Madeira”. A este respeito, citou vários exemplos, como a missão do navio científico alemão ‘Meteor’, que, em 2001, numa operação de mapeamento submarino, descobriu uma crista de cones vulcânicos baptizada de ‘Funchal Ridge’. Mais recentemente, no Verão de 2019, o submergível português ‘Lula 1000’ esteve a estudar o mar profundo da Madeira. Presentemente o mais moderno navio científico alemão, ‘Maria S. Merian’, efectua a expedição ‘JellyWeb’, a maior de sempre no mar profundo da Madeira.
Por outro lado, Miguel Sá desmentiu que o novo navio da ARDITI seja a primeira embarcação científica da Madeira e lembrou os casos do navio ‘São Roque’, das embarcações do Museu da Baleia e do Museu Municipal e da réplica do ‘Maria Cristina’, sublinhado que estão “todos a apodrecer ou já desapareceram por falta de manutenção”. Miguel Teixeira lembrou também uma embarcação de limpeza do mar, que custou 170 mil euros e que “nunca funcionou”.
Praticamente todas estas afirmações podem ser comprovadas. A Madeira já teve, de facto, um barco de investigação chamado ‘São Roque’, que pertencia à Direcção Regional de Pescas. Tinha 20 metros de comprimento, foi inaugurado a 16 de Maio de 1988 e na altura custou 52.500 contos (o equivalente a 262 mil euros). Destinava-se ao “estudo do ambiente marítimo para posterior publicidade de situações e tendência cientificamente registadas pelos especialistas, sobretudo biólogos, devendo essas conclusões ser aproveitadas pelo sector piscatório regional, na sua faina”. Tratava-se, contudo, de um atuneiro que foi reconstruído nos estaleiros da ‘Madeira Engineering’.
Os Açores também passaram a contar com um navio de investigação, o ‘Arquipélago’, mas que só entrou em actividade em 1993. Com 25 metros de comprimento, foi colocado ao serviço do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores em 1993, tendo sido utilizado extensivamente em programas de investigação no Atlântico Nordeste.
O ‘São Roque’ também deu apoio a estudos e trabalhos de investigação científica, na recolha de amostras e no levantamento dos fundos submarinos do litoral sul da ilha da Madeira. Mas teve também uma utilização noutras actividades que extravasam esse âmbito, como o apoio a provas de desportos náuticos, viagens de educação, filmagens e outras. Por exemplo, em Agosto de 2000, fez acompanhamento de obras marítimas (colocação de blocos de betão) na zona compreendida entre Paul do Mar e Jardim do Mar. Em Setembro de 2003, o ‘São Roque’ participou nas buscas de um pequeno avião que se despenhou no mar da Madeira, com recurso a um Sistema Sondador Multifeixe.
Poucos anos depois, o ‘São Roque’ foi colocado em doca seca no Caniçal, onde permaneceu por um longo período, a degradar-se. Até que no Verão de 2016, o Governo Regional colocou a embarcação à venda em hasta pública pelo valor de dois mil euros.
É verdade também que uma antiga embarcação do Museu da Baleia, o ‘Mestre Miguel’, está há cerca de 10 anos parado na Marina de Machico, à espera de trabalhos de reabilitação.
Situação ainda pior envolve o ‘Maria Cristina II’, réplica de um antigo carreireiro do Porto Santo, construído para a Expo’98, que foi varado no Caniçal para manutenção em Setembro de 2005 e que ali ficou a apodrecer.