Damasco acorda sem Assad e muitos dizem que há muito esperavam por este dia
Tiros de celebração e invocações religiosas ouviram-se nos altifalantes das mesquitas, em Damasco, que ainda a recuperar da notícia da "fuga" do Presidente Bashar al-Assad, acordou na madrugada de domingo sob o controlo dos rebeldes.
Segundo testemunhas contactadas pela AFP, várias dezenas de pessoas reuniram-se na Praça Umayyad, no centro de Damasco, para celebrar a queda do clã Assad, no poder há mais de meio século, num país dilacerado por uma mortífera guerra civil desde 2011.
"Há muito tempo que esperávamos por este dia", disse Amer Batha, que falou à AFP por telefone a partir da Praça Umayyad, num país governado com mão de ferro por um governo que reprimiu toda a dissidência e sufocou as liberdades públicas.
"Não posso acreditar que estou a viver este momento", disse este sírio, desfeito em lágrimas: 'Este é o início de uma nova história para a Síria'.
Noutra praça pública no centro de Damasco, dezenas de residentes pisaram uma estátua de Hafez al-Assad, pai de Bashar, enquanto gritos de "Allah Akbar" ("Deus é Grande") soavam para expressar a alegria da multidão, depois de a derrubarem e esmagarem, de acordo com as imagens da AFPTV.
"A Síria é nossa, não pertence à família Assad", gritavam homens armados de grupos rebeldes em algumas ruas de Damasco, disparando para o ar em sinal de alegria.
Os soldados do regime despiram apressadamente os seus uniformes do exército sírio à medida que deixavam o quartel-general na Praça Umayyad, disseram à AFP residentes locais.
Para ilustrar a debandada que acompanhou a ofensiva relâmpago dos rebeldes na capital, as instalações da televisão e da rádio públicas foram abandonadas pelos funcionários públicos, segundo um antigo empregado.
A alguns quilómetros de distância, na pitoresca Damasco antiga, onde vivem muitas famílias cristãs, jovens sírios nas ruelas estreitas entoavam "o povo sírio está unido", uma mensagem destinada a tranquilizar as minorias de um país multi-confessional atingido por 13 anos de uma guerra civil mortífera e devastadora.
Noutro bairro, Chaghour, mulheres nas varandas gritavam de alegria, enquanto outras atiravam arroz à passagem dos combatentes armados.
"Não posso acreditar que, a partir de agora, não terei mais medo", disse à AFP Ilham Basatina, uma fervorosa mulher de 50 anos, empoleirada na sua varanda em Chaghour.
"Hoje, a nossa alegria é imensa, mas só será completa quando o criminoso for julgado", disse, referindo-se a Bashar al-Assad.
Antes do amanhecer, a capital foi abalada por cinco fortes explosões de origem desconhecida, provavelmente fogo de artilharia ou explosões em armazéns de munições, segundo um soldado em fuga, que falou sob condição de anonimato.
"O nosso superior direto informou-nos que tínhamos de nos retirar e ir para casa", disse à AFP: "Percebemos que estava tudo acabado".
Nas redes sociais, jornalistas, funcionários públicos e deputados não tardaram a mudar as suas fotografias de perfil, optando por exibir a bandeira da oposição.
"A culpa não é dos jornalistas e da imprensa síria", explica o chefe de redação do diário pró-governamental Al-Watan, Waddad Abd Rabbo.
"Todos nós estávamos apenas a cumprir ordens e a publicar as informações que nos enviavam", referindo-se às autoridades.
No Facebook, o ator sírio Ayman Zidan admitiu que estava a "delirar".
"Se calhar éramos prisioneiros de uma cultura do medo. Ou tínhamos medo da mudança, porque pensávamos que ela nos levaria ao derramamento de sangue e ao caos", acrescentou.
"Mas aqui estamos no limiar de uma nova era, com homens que nos impressionaram com a sua nobreza e uma cultura de perdão e o desejo de restaurar a unidade do povo sírio", continua, referindo-se aos rebeldes.
Nas ruas de Damasco, estes rebeldes, vestidos com fardas militares, ajoelham-se para beijar o chão com emoção ou para rezar. Outros tiravam fotografias de si próprios, enquanto os fortes tiros não paravam de soar.