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Recrudescimento da guerra volta a provocar deslocados e refugiados sírios

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Foto EPA

O recrudescimento da guerra na Síria, que há uma semana viu os rebeldes que se opõem ao regime lançarem a maior ofensiva desde 2020, obrigou pelo menos 370 mil pessoas a voltarem a fugir das suas casas.

O número, avançado na sexta-feira pelo porta-voz do secretário-geral, Stéphane Dujarric, agrava a situação de um país onde se contam mais de 7,2 milhões de deslocados internos e mais de 5,5 milhões de refugiados espalhados sobretudo pelos países vizinhos.

Depois de mais de uma década de conflito, a Síria continua a constituir a maior crise de refugiados do mundo.

Desde 2011, mais de 14 milhões de sírios foram obrigados a fugir das suas casas em busca de segurança devido a uma guerra civil que tornou o país numa das maiores crises humanitárias do mundo.

Dos mais de 7,2 milhões de sírios deslocados, cerca de 70% da população necessita de assistência humanitária e 90% vive abaixo do limiar da pobreza.

A maior parte dos refugiados partiu para os cinco países vizinhos da Síria -- Turquia, Líbano, Jordânia, Iraque e Egito -, mas muitos foram um pouco mais longe, para a Europa, criando a maior vaga de refugiados desde a II Guerra Mundial. Só a Alemanha recebeu cerca de um milhão.

Em 2015, o sentimento era de proteção e vontade de receber e ajudar os sírios, tendo ficado conhecida a frase da então chanceler alemã Angela Merkel ao decidir acolher cerca de um quinto dos refugiados: "Nós conseguimos fazer isto!"

Entre 2015 e 2023, a UE deu proteção internacional a quase 1,3 milhões de sírios e cortou laços diplomáticos com o regime de Bashar al-Assad, acusando-o de utilizar armas químicas contra o seu próprio povo.

Entretanto, surgiram medos ligados às migrações para a Europa, que, entre conflitos e pobreza, aumentaram significativamente, alimentados por ideias de que se estavam a infiltrar terroristas no continente, a roubar empregos aos europeus, e a impor novas tendências culturais.

Tudo isto foi polvilhado por uma pandemia mundial, seguida de confinamentos inéditos, e do estalar de uma guerra na Europa com a invasão russa da Ucrânia, que provocou nova vaga de mais de cinco milhões de refugiados.

Em muitos países, os refugiados sírios deixaram de ser bem-vindos e, apesar de a guerra naquele país continuar, alguns Estados -- liderados pela Itália e pela Áustria -- defendem que se deve voltar a designar a Síria como "país seguro" e deportar os seus cidadãos.

O ministro dos Negócios Estrangeiros austríaco, Karl Nehammer, citou na semana passada as 200 mil pessoas que atravessaram a fronteira do Líbano para a Síria, no âmbito da invasão terrestre e do ataque de Israel, como prova de que a Síria é agora segura.

"A Síria está agora documentada como segura em muitas áreas", disse Nehammer.

Outros países, liderados pela primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, querem normalizar os laços com Assad para facilitar as deportações, apesar de todas as organizações internacionais e humanitárias garantirem que o país continua inseguro.

A Agência da União Europeia para o Asilo (AUEA) define um país seguro como aquele onde "a lei é aplicada democraticamente e as circunstâncias políticas não conduzem, de forma geral e consistente, à perseguição, tortura, tratamento ou punição desumana ou degradante, ou ameaça por motivo de violência indiscriminada.

Esta não é a primeira vez que um país da UE tenta considerar a Síria como país seguro. Desde 2019, a Dinamarca revogou ou não renovou as autorizações de residência de dezenas de migrantes sírios de Damasco, alegando que a capital passou a ser um lugar seguro (Assad usou armas químicas no distrito de Ghouta, em Damasco, então controlado pela oposição, em 2013).

No entanto, a identificação de um país como seguro não pode ser feita apenas por alguns Estados-membros da UE, tem de ser como um todo e a última orientação da AUEA sobre a Síria, datada de abril passado, apontava para a ameaça representada pelas milícias e rotula o Governo de Assad como "um ator principal de perseguição e danos graves no país".

O recrudescimento dos combates na Síria já é motivo de alerta internacional.

Numa ofensiva relâmpago iniciada a 27 de novembro, uma coligação de grupos rebeldes liderada pelo grupo Hayat Tahrir al-Sham (HTS), conhecido como al-Qaeda da Síria - que controla a província de Idlib, na fronteira com a Turquia -- varreu as tropas sírias em poucos dias e apoderou-se de Alepo, a segunda maior cidade do país, que era, em grande parte controlada pelo regime de Bashar al-Assad.

O ataque inesperado no noroeste da Síria acontece numa altura em que a guerra na Síria estava dada como "controlada", já que não havia confrontos graves há vários anos.

No entanto, o conflito que opôs Israel ao grupo islamita palestiniano Hamas e ao movimento xiita libanês Hezbollah desequilibrou as forças no Médio Oriente, já que ao decidir combater o Irão e a milícia libanesa pró-iraniana Hezbollah, Telavive, cujo principal aliado são os Estados Unidos, enfraqueceu dois dos principais apoiadores do Presidente sírio, abrindo caminho a um ataque dos rebeldes.