Canárias conseguiram erradicar o escaravelho que está a matar as palmeiras do Porto Santo?
A praga de escaravelhos que está a dizimar as palmeiras está na ordem do dia no Porto Santo. Hoje mesmo a Câmara Municipal publicou no Diário da República um aviso sobre o abate imediato de 159 palmeiras infestadas, a maioria das quais localizadas em terrenos privados. Mas alguns cidadãos consideram que o combate a este problema fitossanitário está a ser lento e garantem que o arquipélago das Canárias conseguiu erradicar o escaravelho. “Canárias conseguiu exterminar este bicho. No Porto Santo dizem que não há dinheiro, dizem que não há interesse”, lê-se numa publicação no Facebook. Será mesmo assim?
O escaravelho da palmeira, com o nome científico ‘Rhynchophorus ferrugineus’, é um insecto grande (entre dois e cinco centímetros de comprimento). Alimenta-se das folhas de várias espécies de palmeiras, principalmente do género Phoenix, enquanto que as larvas alimentam-se dos rebentos das folhas e das fibras, escavando túneis no espique ('tronco') que podem chegar a um metro de comprimento, levando a árvore à decadência e à morte. Esta espécie prefere colonizar palmeiras já enfraquecidas, mas também é capaz de colonizar palmeiras saudáveis. As fêmeas saem das palmeiras já fecundadas, prontas a colonizar novas palmeiras. Podem ter quatro gerações por ano, pondo até centenas de ovos numa só postura.
A espécie é originária do sudeste asiático, mas espalhou-se nas últimas três décadas pelo mundo em consequência do comércio de palmeiras infestadas. Expandiu-se primeiro para as árvores do sul da Ásia, península arábica e Irão. Introduziu-se no norte de África através do Egipto, em 1993, de onde progrediu para Itália, França, Portugal, Espanha, América Central e Califórnia.
Nas Ilhas Canárias, um exemplar adulto desta espécie (conhecido localmente como ‘picudo rojo’) foi detectado pela primeira vez em Setembro de 2005 no pátio de uma casa no município de Las Palmas de Gran Canaria. Posteriormente, em Dezembro, outra palmeira doente foi localizada em Caleta de Fuste, no município de Antigua, na ilha de Fuerteventura, e outra na Plaza de Farray, no município de Las Palmas de Gran Canaria.
A rápida disseminação do escaravelho e decadência e morte de centenas de palmeiras no arquipélago vizinho levou as autoridades nacionais, regionais e locais a preparar um plano robusto de ataque à praga, numa altura em que já tinham sido localizados 17 focos activos da praga nas ilhas de Gran Canaria, Fuerteventura e Tenerife. Ao longo de uma década de implementação desse plano, 706.081 palmeiras foram inspeccionadas, 209.547 sujeitas a tratamento e 659 cortadas (459 em Furteventura e 200 em Gran Canaria). Foram capturados 681 escaravelhos.
A 13 de Setembro de 2016, três anos após ser detectado o último escaravelho em Furteventura, o governo regional anunciou que as Canárias eram oficialmente o primeiro território no mundo a conseguir erradicar aquela praga e que estavam em condições de exportar o seu conhecimento a outras regiões com o mesmo problema.
Em Portugal, este insecto surgiu pela primeira vez no ano de 2007, no Algarve. Na Madeira, o primeiro alerta público foi feito por Raimundo Quintal, a 17 de Outubro de 2008. Numa intervenção na Conferência Anual do Turismo, o investigador madeirense chamou à atenção para o perigo das pragas que as árvores importadas trazem para a ilha, onde já se registava a infestação do escaravelho das palmeiras, situação sobre a qual a própria União Europeia já tinha alertados as instituições regionais há cerca de um ano, sem resposta local.
Nos meses seguintes, houve notícias da existência da praga do escaravelho em centenas de palmeiras de Câmara de Lobos e sua progressão para o concelho do Funchal. Nessa mesma altura, as câmaras locais começaram a intervir, com corte de algumas árvores e tratamentos de ataque à espécie invasora. Por exemplo, em Abril de 2009, o vereador Henrique Costa Neves anunciou que a Câmara do Funchal tinha adquirido em Espanha um novo equipamento que permitia introduzir directamente no tronco das palmeiras um produto que impedia o insecto de se desenvolver.
Em Maio de 2015, o DIÁRIO noticiava que o escaravelho já tinha dado cabo de 718 palmeiras em todos os concelhos da Madeira. Nessa altura, apenas o Porto Santo estava a salvo.
Só em Outubro de 2023 o Instituto de Florestas e Conservação da Natureza (IFCN) veio a detectar a presença do escaravelho nas palmeiras do Porto Santo, na sequência de acções regulares de monitorização fitossanitária, tendo sido detectados três exemplares com praga. Dois meses depois, o IFCN iniciou uma megaoperação na ilha para salvar 1.000 palmeiras, através da injecção de produtos fitossanitários no tronco (endoterapia).
Um ano depois, o problema persiste. Conforme o DIÁRIO avançou há três semanas, há cada vez mais palmeiras doentes na ilha dourada, com a população local preocupada com o risco de ocorrência de acidentes, por queda de ramos ou das próprias árvores. De acordo com o IFCN, foram cortadas cerca de 200 palmeiras e outras 250 estão colonizadas pelo escaravelho, 50 das quais estão em estado irreversível.
Em resumo, é verdade que as Canárias conseguiram erradicar a praga do escaravelho da palmeira. Mas conseguiram esse feito, inédito à escala global, ao fim de quase uma década de ataque persistente àquele insecto. No Porto Santo, a praga chegou há pouco mais de um ano, pelo que será desajustado comparar os resultados e a eficácia da intervenção de combate das autoridades à situação registada no arquipélago espanhol.