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Uso de novas tecnologias permitiu reabertura de Notre-Dame em cinco anos

Foto EPA/Mohammed Badra
Foto EPA/Mohammed Badra

O uso de novas tecnologias permitiu reabrir a catedral de Notre-Dame de Paris após cinco anos do incêndio que devastou o monumento, segundo uma especialista envolvida no restauro, que destaca, porém, que o projeto ainda não está concluído.

"O projeto ainda não está concluído porque os trabalhos demoram sempre mais tempo do que se pensa. Estão suficientemente avançados para que a catedral possa reabrir, mas é necessário restaurar o exterior, os contrafortes e a cabine", disse à agência Lusa Aline Magnien, especialista do Ministério da Cultura francês envolvida no projeto científico Notre-Dame.

Com um orçamento de 700 milhões de euros, o projeto irá continuar até 2030 para concluir partes da catedral, como desmontar a rosácea ocidental para "ser restaurada nas melhores condições possíveis", afirmou a responsável do projeto do Ministério da Cultura em parceria com o Centro Nacional de Investigação Científica (CNRS).

Aline Magnien referiu ainda que a nível de segurança contra incêndios "será assegurado por uma proteção ativa" com a instalação de paredes corta-fogo e nebulização no monumento gótico com mais de 800 anos.

A especialista avançou que o restauro do monumento, devastado por um incêndio ocorrido em 15 de abril de 2019, contou com o uso de novas tecnologias, que permitiram que fosse possível a reabertura em cinco anos, como a modelação 3D (três dimensões) utilizada para o interior da catedral "para estudar os movimentos das abóbadas, reconstituir os arcos duplos, etc".

"Houve colaborações com museus, com o CNRS e com muitos laboratórios universitários que participaram nos trabalhos científicos, e mesmo no restauro", disse a também diretora do Laboratório de Investigação dos Monumentos Históricos (LRMH).

Quanto aos principais problemas durante as obras de restauro, Aline Magnien afirmou que "foram muitos", a começar pelos andaimes no telhado de obras anteriores.

"A complexidade de desmontar os andaimes iniciais em torno do pináculo quando deflagrou o incêndio, devido às condições climatéricas e ao facto de terem derretido, (...) constituiu um perigo", disse a curadora-geral honorária do património.

Também a contaminação por chumbo e a pandemia de covid-19 atrasaram e dificultaram os trabalhos, "tornou-os ainda mais complexos" e com custos mais elevados do que os inicialmente previstos, acrescentou.

Relativamente à colocação de vitrais contemporâneos na catedral, numa iniciativa lançada pela diocese de Paris e apoiada pelo Presidente francês, Emmanuel Macron, a especialista defendeu que "é perfeitamente concebível" e "muito comum" em igrejas e catedrais, sendo que há "vitrais brancos na catedral que poderiam ser substituídos".

Contudo, "a controvérsia diz respeito ao desmantelamento de 240 m2 de coberturas de vidro em muito bom estado", concebidas no século XIX, mas tendo em conta os custos e o impacto ecológico, é necessário questionar a pertinência de desmantelar vitrais que "ainda têm um significado", defendeu.

Os vitrais são um exemplo das intervenções que foram feitas ao longo dos séculos, bem como os murais das capelas que foram "raspados nos anos 60" e, neste momento, os responsáveis não sabem o que fazer em relação aos mesmos.

A reabertura oficial da Catedral de Notre-Dame de Paris será no dia 07 de dezembro, com a presença prevista de cerca de 50 chefes de Estado e de Governo.

O público em geral poderá assistir às missas na Notre-Dame a partir do dia 08, sendo que os visitantes terão de agendar as suas visitas, pelo menos nos próximos meses.

Recentemente a ministra da Cultura, Rachida Dati, lançou a proposta de cobrar cinco euros por visitante, com Aline Magnien a explicar que já era cobrada a visita às torres e ao tesouro da catedral.

Porém, "a criação de uma bilheteira para a entrada na catedral é muito complexa (com a distinção entre visitantes e fiéis) e por razões que têm a ver com o estatuto das igrejas e com as regras orçamentais do Estado francês", segundo a especialista.

O arcebispo de Paris, Laurent Ulrich, e as autoridades religiosas francesas têm vindo a defender o livre acesso às igrejas e catedrais, incluindo neste que é um dos monumentos mais visitados da Europa e que tem a previsão de receber 15 milhões de visitantes por ano após a reabertura, podendo gerar uma receita de 75 milhões de euros anuais para a preservação do património religioso francês.

Cinco anos do incêndio à restauração

Prazos de reconstrução

A primeira etapa da restauração envolveu a limpeza e escavação após o colapso do telhado, em que foram removidos toneladas de destroços, num processo difícil devido à falta de estabilidade, que exigiu, por exemplo, o desmantelamento dos andaimes queimados - 40.000 peças metálicas que pesavam cerca de 200 toneladas -- que estavam instalados para restaurar a torre antes do incêndio.

Após este processo, ocorreram sucessivos atrasos devido à descontaminação por chumbo, à pandemia de covid-19 e a escavações arqueológicas, com a fase de reconstrução do monumento a começar apenas em 2022. Na altura, o Presidente francês e as autoridades da Igreja Católica apontaram a reabertura para o ano de 2024.

Classificada como um projeto monumental, tanto em termos de tempo como ao nível de recursos financeiros, a restauração da emblemática catedral envolveu técnicas inovadoras, como a impressão em 3D (três dimensões) para criar réplicas precisas de partes danificadas, e especialistas para proceder a todas as limpezas e restauros de grande parte do património.

Valor do investimento

O projeto teve um orçamento de 700 milhões de euros, mas os trabalhos em Notre-Dame terão de continuar até 2030, para concluir partes mais frágeis da catedral, como a decoração da nave.

O Governo francês comprometeu-se, desde o início, a financiar a maior parte da restauração com recursos públicos, que permitiram a conclusão rápida das obras de restauro, que incluiu a reconstrução do edifício e dos vitrais, a preservação das obras de arte, a proteção da estrutura e a modernização das infraestruturas de segurança.

Doações

O incêndio, na altura acompanhado em direto em todo o mundo, gerou uma onda de solidariedade à escala mundial, com 340.000 mecenas (pessoas e empresas) de cerca de 50 países, que permitiram exclusivamente através dos donativos a instalação do "estaleiro do século".

A Fundação Notre-Dame, uma das quatro organizações autorizadas a angariar fundos como parte da subscrição nacional para a restauração e conservação da catedral, atualmente presidida pelo Arcebispo de Paris, Laurent Ulrich, revelou em exclusivo ao jornal La Croix que angariou 350 milhões de euros para financiar a obra.

Em novembro, o chefe do projeto de restauro, Philippe Jost, afirmou que ainda restavam 140 milhões de euros dos fundos, montante que será utilizado para apoiar futuros trabalhos vitais de preservação do monumento gótico.

Número de trabalhadores

A reconstrução envolveu mais de 2.000 trabalhadores e especialistas, homens e mulheres, e 250 empresas ao longo deste período. De bombeiros a arquitetos, passando igualmente por pedreiros, carpinteiros, escultores, pintores ou técnicos de rapel, todos contribuíram para o "projeto do século", como foi apelidado em novembro pelo Presidente Macron.

Graças a estes, a catedral parisiense ficou essencialmente fiel à sua configuração anterior e até com aspetos de segurança mais modernizados para evitar acidentes como o de 2019.

Durante a visita de novembro, o Presidente francês agradeceu aos envolvidos na restauração por terem "transformado o carvão em arte".

Visitantes

Construída no século XII, a catedral era um dos monumentos mais visitados da Europa antes do incêndio, com cerca de 12 milhões de visitantes em 2017. A diocese espera agora receber 15 milhões de visitantes anuais.

Embora a partir de 16 de dezembro a catedral possa receber público para as missas e visitas agendadas, é esperado que só a partir de fevereiro seja retomada a normalidade das visitas e até lá 37.000 pessoas já se inscreveram, segundo a diocese.

É esperado que 40.000 visitantes passem diariamente pela nave, agora mais iluminada, que é composta por 1.000 retângulos de chumbo de 50 quilos, além de outros 1.000 para o coro suportados pela "floresta" (estrutura superior).

Novidades

A catedral parisiense tem novo mobiliário, como um novo grande relicário na capela do eixo central, onde serão expostas três relíquias associadas ao momento da morte de Jesus Cristo, que foram retiradas à pressa durante o incêndio: a coroa de espinhos, um prego da crucificação e um pedaço de madeira da cruz.

O novo expositor, feito na Fundação Coubertin em Paris, possui cerca de três metros de altura e um estilo contemporâneo, que permite aos visitantes maior proximidade com a coroa de espinhos, que se encontra em Paris há quase oito séculos.

A decoração interior da catedral incluirá ainda três tapeçarias do artista espanhol Miquel Barceló e quatro outras peças de arte têxtil do pintor britânico Michael Armitage, nascido no Quénia, colocadas no corredor norte.

Notre-Dame contará com o regresso de concertos com solistas, orquestras e coros, mas também do seu impressionante órgão, que não foi danificado pelo incêndio, mas necessitou de uma desmontagem e de uma limpeza completa dos seus 8.000 tubos.

Controvérsias

Um dispositivo de 6.000 polícias e 'gendarmes' (polícia militarizada) será mobilizado para garantir a segurança das cerimónias de reabertura, onde são esperados cerca de 50 chefes de Estado e de Governo, tal como aconteceu com a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos no final de julho, segundo o chefe da polícia de Paris, Laurent Nuñez.

A diocese de Paris lançou um projeto, apoiado por Macron, para a instalação de vitrais contemporâneos na catedral, sendo alvo de críticas por parte de cidadãos que pedem que os vitrais antigos sejam respeitados, numa petição lançada em dezembro de 2023 no jornal La Tribune de l'art que conta com 235.000 assinaturas. Embora os vitrais antigos sejam um exemplo das intervenções centenárias com trabalhos dos séculos XIII, XVII, XIX e XX.

Além disso, as autoridades religiosas francesas estão em conflito com a ministra da Cultura, Rachida Dati, que quer cobrar cinco euros de entrada por visitante para angariar fundos para a preservação do património religioso (o segundo maior do mundo com mais de 100.000 edifícios, em que cerca de 40.000 - construídos antes de 1905 - pertencem ao Estado), o que renderia 75 milhões de euros anuais.

O arcebispo de Paris defende a posição de livre acesso às igrejas e catedrais, até pela dificuldade logística de distinguir visitantes e religiosos, embora o ministro do Interior francês, Bruno Retailleau, que tutela os assuntos religiosos, tenha apoiado a proposta, citando o exemplo da basílica da Sagrada Família, em Barcelona.