Wuhan e confinamentos são tabu na China cinco anos depois
Volvidos cinco anos desde que os primeiros casos de covid-19 foram diagnosticados no centro da China, referências à origem da pandemia, medidas de controlo ou dados sobre mortes e casos são tabus no país asiático.
As medidas restritivas de confinamento impostas em Wuhan, onde foram detetados os primeiros casos do " coronavírus, no final de 2019, serviram como guia para a política 'zero covid', que ao longo de três anos ditou a testagem em massa de centenas de milhões de pessoas e bloqueios altamente restritivos de cidades inteiras, marcados pela escassez de alimentos, violência ou isolamento de casos positivos em condições degradantes.
No dia a dia na China, há objetos que remetem para os tempos da pandemia: contentores abandonados em esquinas de Pequim, onde outrora milhares de pessoas acorriam diariamente para fazer o teste PCR obrigatório ou frascos de gel desinfetante à entrada dos estabelecimentos.
"Foi traumático", observou à Lusa uma sul-coreana radicada em Pequim. "Quando sabes que a qualquer momento podes ser trancada em casa por tempo indeterminado ou arrastada para um local desconhecido perdes qualquer sensação de segurança", descreveu.
A sucessão de tragédias e casos de abuso da autoridade acabaram por resultar em protestos que se alastraram por várias cidades chinesas no final de 2022, após um incêndio mortal, num prédio na cidade de Urumqi, no noroeste da China.
Imagens difundidas nas redes sociais mostraram que o camião dos bombeiros não conseguiu entrar no bairro, já que o portão de acesso estava trancado, e que os moradores também não conseguiram escapar do prédio. A porta estava bloqueada devido às medidas de prevenção epidémica.
Pequim optou então pelo fim abrupto das medidas restritivas, sem estratégia de mitigação, deixando famílias a lutar pela sobrevivência dos mais idosos, à medida que uma vaga de infeções inundou os hospitais e crematórios do país.
O epidemiologista Ben Cowling, da Universidade de Hong Kong, estima que cerca de 90% das pessoas na China ficaram infetadas com o coronavírus nas semanas após o levantamento das restrições.
"Para quem recebeu duas ou três doses da vacina, as infeções foram, no geral, muito ligeiras. Mas para pessoas não vacinadas, especialmente alguns idosos na China, as infeções foram um pouco mais graves", afirmou Cowling à agência Lusa.
"Os meus colegas e eu calculamos cerca de 1,5 milhões de mortes em todo o país. Outras estimativas são ligeiramente inferiores, outras ligeiramente superiores", descreveu.
Cinco anos depois, as referências às origens da covid-19 e à política 'zero covid' desapareceram da imprensa ou redes sociais do país.
O Partido Comunista Chinês (PCC), que inicialmente usou a estratégia 'zero covid' como fonte de legitimidade, manteve-se em silêncio sobre as consequências do surto. Os números oficiais da mortalidade são desconhecidos.
Após o levantamento das restrições, o PCC defendeu que a forma como lidou com a pandemia criou um "milagre na História da humanidade" e que os seus esforços levaram a China a uma "vitória decisiva" sobre o vírus.
"O Partido apostou no facto de que, se apenas enfatizar as evidências positivas, de alguma forma, após vários anos, as pessoas esquecerão o que se passou", escreveu Willy Lam, analista da política chinesa.
Muitas pessoas com infeção por covid-19 continuam também a ser tratadas nos hospitais, segundo Cowling, que estimou que ainda há mais pessoas a precisar de ser hospitalizadas com infeções por covid-19 do que com gripe.
Os efeitos da política persistem sobretudo nos dados económicos, incluindo níveis recorde de desemprego jovem, débil consumo interno e uma prolongada crise no setor imobiliário, que geraram riscos deflacionários na segunda maior economia mundial. Isto reflete a perda de confiança entre investidores e as famílias, segundo analistas.
A empresária chinesa Chen Tong, que "nunca quis saber de política", até o governo fechar os seus negócios e bloquear com chapas metálicas o prédio onde vive, decidiu emigrar para a Austrália.
"Os excessos, o controlo absoluto que o governo assumiu sobre a minha vida fizeram-me compreender: a política é importante", explicou Chen, natural da província de Sichuan e dona de várias lojas de confeção de vestidos por medida, à Lusa.
"A confiança perdeu-se", disse.