Retorno à demagogia
Albuquerque, com pensamento monárquico e decorrente ação, governou erraticamente a Região Autónoma da Madeira
1. Aristóteles, o filósofo grego que projetou as ciências e formulou a lógica, sem conhecer o candidato republicano Donald Trump (agora, para infelicidade de muitos, eleito o 47.º Presidente dos EUA, num regresso histórico como o segundo presidente a ganhar dois mandatos não consecutivos), descreve uma forma de governar na qual os argumentos são substituídos por apelos aos medos/temores, preconceitos, amores e ódios dos cidadãos.
Se há algo que acontecerá nos próximos anos na política americana – e seguramente internacional –, é a impossibilidade de uma argumentação serena, racional e construtiva sobre a ação política que é preciso implementar para que as grandes questões (interesses económicos, geoestratégicos, guerras, …) sejam solucionadas. Donald Trump venceu as presidenciais americanas com vitórias esmagadoras nos principais estados (Pensilvânia, Carolina do Norte e Wisconsin), mas também venceu a Câmara dos Representantes, o Senado e tem maioria no Supremo Tribunal. Disse, e antecipando o dia 20 de janeiro de 2025, que iria governar com um lema simples: «“promessas feitas, promessas cumpridas”! Vamos manter a nossa promessa. Nada me impedirá de manter a minha palavra para convosco, o povo. Vamos tornar a América segura, forte, próspera, poderosa e livre novamente. E peço a todos os cidadãos de todo o nosso país que se juntem a mim neste nobre e justo esforço». Não é muito difícil de decifrar e compreender que está de regresso uma forma anómala, corrupta e/ou deteriorada de democracia, e os eleitores americanos antes do dia 5 de novembro de 2024 conheciam bem quem é o seu futuro presidente.
2. No passado dia 25 de novembro a classe política nacional (e regional) resolveu celebrar – com alguma solenidade – o que se iniciou às 15h30 do dia 25 de novembro de 1975, hora a que o jovem tenente-coronel António Ramalho Eanes recebeu talvez a missão mais “delicada” da sua vida. A ordem teve proveniência no general Francisco da Costa Gomes, Presidente da República e Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), e era simples: executar o plano meticulosamente preparado durante os 6 meses anteriores e concebido para reagir a um golpe revolucionário dos militares radicais, tido, há muito tempo, como inevitável. Em cima da mesa estavam duas vias possíveis: ou a ação militar era coroada de êxito ou o país podia mergulhar numa guerra civil. Apesar dos militares dos Comandos e da Polícia Militar (PM) mortos nas operações militares, evitou-se a guerra civil e regressou-se à ideia democrática original do 25 de Abril de 74. Ademais, na manhã do dia 26 de novembro de 1975 o país já respirava alguma tranquilidade (acabaram-se os “golpes e contragolpes”, à esquerda e à direita, numa cadência quase diária, e um Verão – e Outono – quente num país governado por um Conselho da Revolução) e a possibilidade de implantação de uma ditadura de esquerda em Portugal havia fracassado. Tinha, então, terminado a “fase revolucionária” e entrámos num período em que os ditos ‘moderados’ proclamam a normalização democrática no país.
Se o 25 de Novembro de 1975 foi o momento da “afirmação, maturação e estabilização” democrática em Portugal (após um período de enorme ruído e turbulência política, militar, ideológica e partidária) fundamental para que o país (e todos nós) seja aquilo que hoje é. Mais: se a existência de feriados nacionais (por prescrição civil ou religiosa) serve para comemorar algo (por exemplo, um evento, êxito, data ou figura histórica…) que se pretende que seja preservado (e celebrado por todos os cidadãos) na memória de uma comunidade. Se os feriados nacionais assinalam efemérides consideradas marcantes na vida das respetivas sociedades, as quais se destinam a preservar – e glorificar – a sua história/memória coletiva, a lembrar e festejar os factos mais significativos da História, a exaltar os seus feitos e a venerar os seus heróis e poetas, então, em 2025, aquando se celebra os 50 anos do 25 de novembro de 1975, seria oportuno termos um novo feriado nacional para que (todos) os portugueses celebrem a DEMOCRACIA, aquele regime político (“frágil”) no qual a soberania é exercida pelo povo e não por uma elite política. Dito por outras palavras, uma democracia que segundo o ex-presidente americano Abraham Lincoln (1976), é e deve continuar a ser “o governo do povo, para o povo e pelo povo”, sabendo nós que existe um conjunto de homens que têm a tendência natural para quererem apropriar-se do poder e de certas instituições, moldando-as em função dos seus interesses pessoais, obtendo por essa via alguns privilégios e/ou regalias.
3. Miguel Albuquerque, com pensamento monárquico e decorrente ação, governou erraticamente a Região Autónoma da Madeira nos últimos quase 10 anos e ficará na história por variadas razões, entre as quais enfatizo aqui duas: primeira, caucionou as maiorias absolutas do PSD/M de Alberto João Jardim nas Regionais de 29 de março de 2015 – que subsistiram 43 anos –, mas após o domingo de 22 de setembro de 2019, desaproveita-as e nunca mais as reconquista (o CDS lá o amparou com uma coligação de centro-direita pós-eleitoral para que se preservasse alguma estabilidade governativa); segunda, fragmentou internamente o PSD-Madeira e com isso permitiu não só a entrada de um partido da direita radical na Assembleia Legislativa da RAM, como depois lhe deu força no último ato leitoral de 26 de maio de 2024 (9,44%), partido este que viria a ser o proponente de uma moção de censura, aprovada conjuntamente com o Partido Socialista (PS/Madeira), o Juntos pelo Povo (JPP) e os deputados únicos do PAN e da Iniciativa Liberal, e que ironicamente o viria a derrubar cerca de 7 meses depois.
Aristóteles, defensor de uma doutrina da moderação em todas as coisas, sabia que as fórmulas através dos quais os povos se organizam são mutáveis e dinâmicas, mas também sabia que os demagogos se apresentam como (falsos) “salvadores” em momentos de crise acentuada – e as diversas suspeitas de crimes cometidos por um conjunto de governantes da RAM criaram uma conjuntura política de grande crispação nos últimos meses – e, se estes conseguirem seduzir e conquistar o povo (melhor, os eleitores mais imprudentes), podem mudar o rumo do regime para derivas bem mais autoritárias.
A contenda política está criada. A arrogância, a superioridade moral, a autoapreciação, as ameaças, os diferentes medos, em suma, as emoções primárias serão agora o terreno fértil para os próximos tempos e os demagogos, com várias versões e debaixo de várias capas ideológicas, preparam-se para “incendiar” o discurso político regional. O povo, esse, debaixo de uma forma aparentemente democrática de governo e de exercício do poder, será oportunamente conduzido, manipulado e dominado pelos melhores artifícios dos distintos demagogos que se preparam já para mais uma campanha eleitoral e o aliciam para objetivos (aquisições, desígnios, sonhos… e promessas) que não correspondem aos seus autênticos interesses. Os mais desligados e/ou distraídos nem se apercebem da fidalga arte de os conduzir habilmente para o objetivo desejado e muitos acabam por legitimar ideias, ambições e projetos que não são os seus, mas pessoais (dos líderes), partidários ou de grupos de interesse ocultos, poderosos e muito bem instalados.
4. Aproveito esta ocasião para desejar um feliz e próspero ano de 2025 para todos os colaboradores e leitores do Diário de Notícias da Madeira!