Sai 2024 e entra 2025
1. 2025: Que não fiquemos à porta
As páginas que imagino, rasuradas pelo tempo que ainda não chegou, continuam a narrar este anseio por uma Madeira que se redescobre e se reinventa no limiar de uma nova era. O liberal que me habita, solitário nos seus pensamentos, mas vasto nas suas aspirações, expande a sua visão para além das rotas já traçadas.
No campo da política, este desejo traduz-se numa governança transparente e responsável, onde cada euro investido seja um euro que retorna aos madeirenses em forma de serviços, infraestruturas e oportunidades. Anseia-se por uma gestão que se despoje dos vícios do clientelismo e que seja, em essência, uma plataforma de diálogo constante entre o cidadão e o Estado. Onde o debate político não se confine às paredes fechadas das instituições, mas se espalhe pelas praças e pelas ruas, num diálogo aberto e construtivo que acolhe todas as vozes.
Economicamente, almeja-se uma ilha que seja farol de inovação e sustentabilidade. A agricultura, pilar de tantas gerações, deve abraçar tecnologias que maximizem a produção sem comprometer o solo e a água, tesouros tão preciosos nestas terras. O imprescindível turismo deve evoluir para modelos mais sustentáveis e éticos, que valorizem a cultura e a natureza madeirense sem as subjugar ao lucro desmedido.
Numa textura que só a verdade pode entrelaçar, há que gritar, ainda que com a pouca voz que nos resta, suave e esmagada pelos tempos, que a Madeira deve ser um lugar onde os que aqui têm o seu chão, o seu tecto, o seu berço, usufruam do mesmo nível de vida daqueles que nos visitam. Os nossos, os que aqui respiram o dia e suportam a noite, devem caminhar por ruas que lhes prometam o mesmo horizonte de possibilidades que encantam os olhos estranhos que nos espreitam, temporários e fugazes. Não mais a distância entre o servir e o ser servido, entre o morador e o hóspede, pois todos, sob o mesmo céu, sobre a mesma terra, devem tocar a mesma promessa de um amanhã justo. É uma exigência da alma, um clamor das raízes, que não se apazigua com menos do que a justiça de uma equidade palpável.
A liberalização das diferentes actividades deve também ser acompanhada de um forte compromisso com a inclusão social. É imperativo que a prosperidade gerada não se acumule nas mãos de poucos, mas que se disperse como a suave brisa marinha, alcançando todos os cantos e todas as pessoas.
Ambientalmente, este futuro anseia por uma Madeira que não só preserva as suas belezas naturais, mas que também lidera pelo exemplo em práticas de conservação e sustentabilidade. Que se torne um exemplo na gestão de recursos hídricos, na proteção das suas florestas e na promoção de energias renováveis. Que cada decisão considerada tenha como parâmetro não só o impacto imediato, mas também as gerações futuras.
Culturalmente, deseja-se uma revitalização das artes e das tradições, um reencontro com a história e a identidade do arquipélago. Que cada festa, cada evento, cada expressão artística seja uma celebração da Madeira e para a Madeira, envolvendo não apenas os residentes, mas atraindo os olhares de todos os que nos visitam. Que a cultura seja a língua universal através da qual a ilha se comunica e se afirma.
Estas páginas, ainda por escrever, aguardam as mãos que as moldarão. Este liberal, com sua visão e a sua fraca, mas persistente voz, apenas sugere um esboço, um prelúdio de um futuro possível, esperando que muitos outros se juntem na sinfonia de construir uma Madeira não apenas renovada, mas renascida nas promessas de 2025.
Que tenhamos todos um bom ano.
2. O Triunfo do Nada
“Brain rot”, segundo o Oxford Dictionary, é a palavra do ano. E com razão. O apodrecimento cerebral tornou-se o estado natural da nossa gloriosa civilização. Veja-se: uma geração inteira, orgulhosamente ignorante, dedica os seus dias a deslizar o dedo sobre ecrãs como macacos fascinados por uma banana virtual. O conteúdo? Vídeos de dez segundos, piadas recicladas e danças coreografadas por adolescentes que provavelmente não sabem localizar a Europa no mapa. Eis o zeitgeist: a glorificação do vazio, a celebração da mediocridade.
E o que fazem os adultos, supostamente guardiões da sanidade cultural? Rendem-se. Participam. Encorajam. Partilham “stories” e publicam “reels” enquanto fingem que a vida digital é uma extensão legítima da sua existência. Pior ainda, chamam a isto “progresso”. Progresso. Nada mostra “avanço civilizacional” como substituir Padre António Vieira por vídeos de gatinhos.
Mas sejamos justos: a idiotice nunca foi tão inclusiva. Onde antes a estupidez era uma prerrogativa da aristocracia decadente, agora é um direito inalienável de todos. Democratizámos a cretinice. O “brain rot” é o nosso maior triunfo colectivo, um movimento global que une ricos e pobres, jovens e velhos, todos juntos no altar do algoritmo.
E nós, neste país à beira-mar plantado e neste calhau no meio do oceano, claro, não ficamos atrás. O país que outrora produziu Camões, Pessoa e outros génios que hoje ninguém lê, abraçou o apodrecimento cerebral com o entusiasmo servil de sempre. Basta entrar numa escola para constatar o desastre: alunos com dificuldades várias devido ao ensino massificado, professores que preferem “projectos criativos” a ensinar coisas tão arcaicas como História ou Matemática. E porquê? Porque é difícil, porque pensar cansa. Melhor é pôr os miúdos a fazer um TikTok educativo sobre a Revolução Francesa.
E os políticos? Esses não têm nenhum interesse em inverter esta catástrofe. Quanto mais estúpida a população, mais fácil é mantê-la quieta e obediente. Se o povo está entretido a discutir “reality shows” e “influencers”, não repara que os seus impostos desaparecem misteriosamente ou que as infraestruturas se desfazem como um velho barracão ao vento.
A solução? Tratar o “brain rot”. Ensinar às pessoas o valor da leitura, da introspecção, do silêncio. Mas para quê? Para elas continuarem a ignorar? Para os pais comprarem um livro ao filho enquanto lhe atiram o “tablet” para as mãos? Por favor. O cérebro colectivo está podre e ninguém quer saber. Aliás, a maioria nem percebeu porque não lhe sente o cheiro.
Então, viva o “brain rot”!
Viva a irrelevância, a futilidade, o triunfo do nada sobre tudo. Não há problema: sempre que a realidade for dura, haverá um vídeo de dança idiota para nos salvar.
E não, não sou melhor do que ninguém e também sou responsável.
3. A Preguiça Intelectual
A obsessão contemporânea por só ler aquilo com que se concorda — ou, pior ainda, aquilo que reforça as opiniões já adquiridas — é uma forma de preguiça intelectual que me desilude. Não é apenas sintoma de um tempo em que as pessoas se refugiam em bolhas, mas também de uma alarmante falta de coragem para confrontar as próprias ideias com o contraditório.
Sempre fiz questão de ler mais do que me incomoda ou desafia do que aquilo que me conforta, não consigo compreender esta rendição ao conforto das certezas. O mundo não é uma colecção de verdades absolutas ao gosto de cada um. Ler — e aqui falo de ler genuinamente — exige um confronto, uma disposição para o embate, para o desconforto de se reconhecer, às vezes, errado ou, no mínimo, insuficiente.
Ler apenas o que agrada é, no fundo, um acto de cobardia. É como olhar para um espelho todos os dias e entender que o reflexo é a verdade. Quem apenas lê para reforçar o que já pensa não lê verdadeiramente, limita-se a consumir uma projecção narcisista. Sempre procurei nas palavras dos outros, sobretudo naquelas com que discordo, um desafio. Uma ideia nova. Uma irritação, até. Porque só assim se cresce, se pensa e, no limite, se vive.
O que mais me entristece, porém, é perceber que até amigos meus recusam a discordância e o desafio que isso representa. Vivem enclausurados num conforto intelectual que não só os priva do prazer de descobrir, como os empobrece espiritualmente. A discordância não é um ataque, mas uma oportunidade de diálogo, de crescimento mútuo, de respeito. Contudo, muitos preferem a segurança entediante das ideias inquestionáveis. E isso, admito, deixa-me desiludido.
O mundo já está cheio de ruído e de opiniões iguais. Se alguém quer se limitar ao conforto dessas repetições, que o faça. Mas, francamente, não espere respeito de quem, como eu, entende a leitura — e a vida — como uma forma de liberdade.
E a liberdade, meus amigos, nunca foi feita para ser confortável.