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Grupos afectos ao Estado Islâmico têm "terreno fértil" em Moçambique

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Foto LUIS MIGUEL FONSECA/LUSA

O especialista em assuntos africanos Fernando Cardoso disse hoje que a guerra em Cabo Delgado, norte de Moçambique, é explicada pela existência de movimentos que declararam obediência ao Estado Islâmico aliada às condições do território e à fragilidade do exército.

Em declarações à agência Lusa, em Évora, Fernando Jorge Cardoso, professor catedrático da Universidade Autónoma de Lisboa e especialista em assuntos africanos, considerou que esta "é guerra externa", que começou quando grupos "declaram a sua obediência ao Daesh [acrónimo árabe pelo qual também é conhecido o Estado Islâmico]".

As pessoas que os formam, indicou o também diretor executivo do Clube de Lisboa, à margem de um seminário organizado por esta associação na Universidade de Évora, "são basicamente moçambicanos e tanzanianos, que professam a mesma seita islâmica".

"Eles têm um terreno fértil para agir. Cabo Delgado tem grandes florestas e uma costa que está habituada a receber, durante séculos, comércio, neste caso de munições e armamento, e tem um Estado moçambicano extremamente frágil, inclusivamente as forças de segurança e militares", afirmou.

Assinalando que "os maiores protagonistas e as maiores vítimas são muçulmanos", o professor catedrático salientou que o território é "populado por muçulmanos" e que o conflito opõe extremistas à população muçulmana e ao Estado moçambicano.

"Estes movimentos transportam consigo aquilo que a Al-Qaeda e o Daesh transportam, que é uma ideia de vida em sociedade que não tem nada a ver, neste caso concreto, com aquilo que se praticava em Moçambique", referiu.

Fernando Jorge Cardoso assinalou que existem "muitos conflitos em outras províncias do país", os quais estão relacionados "com a cleptocracia, a deslocação de populações, a exploração de minas e a má governação", mas vincou que nesses territórios "não existem guerras".

O especialista recusou ainda a ideia de que a guerra tenha sido espoletada com a exploração dos recursos naturais desta província moçambicana, como o gás natural e as pedras preciosas, ou com o tráfico de droga.

"Esta guerra pode ser e deve ser parada por meios militares e por meios políticos, tentando chegar à fala com os líderes locais deste conflito e a um entendimento que leve à paragem da matança de inocentes", sublinhou.

O deputado da Assembleia da República de Moçambique Muhamad Yassine, outro dos oradores do seminário, queixou-se à Lusa da alegada falta de informação oficial da parte do Governo do país à população sobre a situação naquela província.

"Se são moçambicanos, mesmo com intervenção de tanzanianos, e se são da província de Cabo Delgado, então, era mais fácil a população" da província ter informação para "aproximar e buscar um ponto de diálogo" com os insurgentes, sustentou.

Contudo, o Governo moçambicano, continuou, "assume que a única forma" de lidar com o problema "é usar a força bruta", mas, perante o uso de guerrilha por parte dos insurgentes, está a perder a guerra.

"Nunca vi uma radicalização que se elimina através do uso da força bruta", pois "a ciência recomenda sempre uma abertura ao diálogo para se poder aproximar as diferenças", acrescentou.

Desde outubro de 2017, a província de Cabo Delgado, rica em gás, enfrenta uma rebelião armada com ataques reclamados por movimentos associados ao grupo extremista Estado Islâmico.

O último grande ataque deu-se em 10 e 11 de maio, à sede distrital de Macomia, com cerca de uma centena de insurgentes a saquearem a vila, provocando vários mortos e fortes combates com as Forças de Defesa e Segurança de Moçambique e militares ruandeses, que apoiam Moçambique no combate aos rebeldes.