Portugal é o país europeu que aposta menos na titularidade de guarda-redes locais
As equipas da I Liga portuguesa de futebol são as que apostam menos na titularidade de guarda-redes locais entre os 20 principais campeonatos da UEFA, com apenas dois lusos a sobressaírem entre as 18 formações nacionais esta época.
A minoria no principal escalão português é protagonizada por Diogo Costa, do FC Porto, e Ricardo Velho, do Farense, sendo que o primeiro é o dono das 'redes' da seleção nacional e o segundo já foi chamado à equipa das 'quinas', embora sem se estrear.
Bruno Varela, que defende a baliza do Vitória de Guimarães, seria o outro representante luso, mas, apesar de ter jogado pelas várias seleções jovens nacionais e ter sido convocado para os 'AA' - neste último caso, sem nunca se estrear -, é desde outubro de 2023 internacional cabo-verdiano.
Costa e Velho são, assim, os únicos 'keepers' com 'selo' nacional a defenderem as balizas dos emblemas da I Liga, o que corresponde a uma taxa de aposta de 11%, em contraste com os 16 estrangeiros que defendem o último reduto dos restantes conjuntos (89%).
De resto, mesmo a II Liga tem mais guarda-redes portugueses entre as primeiras apostas: sete contra 11 'forasteiros', o que corresponde a 39%.
Neste particular, os brasileiros estão em maior número, oito, nomeadamente Gabriel Batista (Santa Clara), Matheus (Sporting de Braga), Kewin Silva (Moreirense), Jhonatan (Rio Ave), Andrew (Gil Vicente), César (Boavista), Bruno Brígido (Estrela da Amadora) e Lucas França (Nacional).
O uruguaio Franco Israel e o sérvio Vladan Kovacevic (ambos no Sporting), o ucraniano Anatoliy Trubin (Benfica), o cabo-verdiano Bruno Varela (Vitória de Guimarães), o russo Iván Zlobin (Famalicão), o costa-riquenho Patrick Sequeira (Casa Pia), o espanhol Joel Robles (Estoril Praia), o mexicano Guillermo Ochoa (AVS) -- que tem sido rendido pelo brasileiro Simão Bertelli devido a lesão - e o alemão Nico Mantl (Arouca) completam a maioria de estrangeiros titulares na I Liga.
Numa análise efetuada aos campeonatos que ocupam o top-20 do ranking da UEFA, a taxa de 11% de locais em Portugal é a mais baixa entre essas competições, sendo que apenas Inglaterra tem uma percentagem próxima (20%), com quatro guarda-redes ingleses entre os 20 titulares: Jordan Pickford (Everton), Dean Henderson (Crystal Palace), ambos da seleção, Nick Pope (Newcastle) e Aaron Ramsdale (Southampton).
Um dos 16 estrangeiros na Premier League é precisamente um português, o também internacional José Sá, que tem alternado a titularidade no Wolverhampton com Sam Johnstone.
O terceiro país que menos 'confia' em guardiões locais é a Grécia, com quatro em 14, ou seja 29%. Apenas Olympiacos (Kostas Tzolakis), OFI Creta (Nikos Christogeorgos), Atromitos (Leftherios Choutesiotis) e Asteras Tripolis (Panagiotis Tsintotas) têm as respetivas balizas defendidas por helénicos.
Em sentido inverso, a Sérvia lidera na aposta de 'keepers' nacionais, com 14 dos 16 titulares a conferirem uma taxa de utilização local de 88%. As únicas exceções são Balsa Popovic (OFK Belgrado) e Stefan Popovic (Novi Pazar), ambos de Montenegro, nação que se tornou independente da Sérvia em 2006.
Imediatamente atrás da Liga sérvia surge a Croácia, no segundo posto, com 80% de guarda-redes locais entre os titulares (oito nacionais e dois estrangeiros), enquanto Israel é o terceiro país que mais aposta na 'prata da casa' para as balizas, com 11 locais e três forasteiros, com uma taxa de 79%.
"Guarda-redes que só treina, não dá guarda-redes"
A carência de guarda-redes portugueses titulares na I Liga de futebol é uma consequência do rendimento imediato que os clubes procuram, mas também da falta de oportunidades nas camadas de formação, avalia o antigo guardião internacional luso Nélson Pereira.
No contexto atual, sobressaem apenas dois guarda-redes lusos entre os 18 que atuam como titulares no escalão principal, nomeadamente Diogo Costa (FC Porto) e Ricardo Velho (Farense), algo que torna Portugal no país que menos aposta em 'keepers' nacionais entre os 20 principais campeonatos da UEFA.
"É uma realidade que nós detetámos quando eu estava ligado à coordenação da formação de guarda-redes do Sporting. Além de sermos um país pequeno, que não tem assim tantos guarda-redes em qualidade e quantidade, quando os temos não apostamos neles", começou por dizer Nélson Pereira à agência Lusa.
O antigo guarda-redes, de 49 anos, campeão nacional pelo Sporting em 1999/00 e 2001/02, salientou que "os clubes querem rendimento imediato e não dão tempo aos guarda-redes para ter o seu processo de crescimento, porque nesse processo há erros".
"Achei que a criação das equipas B e de sub-23 viria a ajudar bastante nessa situação, mas já vemos muitos estrangeiros a jogar nessas equipas. Quando a castração é feita ainda mais cedo, mais difícil fica ter guarda-redes portugueses que apresentem logo bom rendimento para a I ou II ligas. Corremos o risco de não termos guarda-redes de qualidade para a nossa seleção nacional", advertiu.
Nélson Pereira apontou igualmente a altura dos portugueses como uma desvantagem, o que, "para jogar em clubes de topo faz alguma diferença", reforçando que "a campeonite, por vezes, torna-se mais importante do que a formação do próprio atleta", ainda mais tratando-se de uma "posição tão específica".
"Um guarda-redes que não jogue, não tem hipótese nenhuma. Guarda-redes que só treina, não dá guarda-redes. A falta de oportunidade começa muito cedo", referiu, dando como exemplo Diogo Pinto e Diego Callai, ambos do Sporting, e Samuel Soares, do Benfica: "Se não jogam na equipa A, têm de jogar na equipa B ou sub-23, para terem ritmo de jogo. Todos os guarda-redes que são detetados pelos clubes como tendo mais potencial têm de jogar".
Internacional numa ocasião e eleito para representar Portugal no Mundial2002, na Coreia do Sul e Japão, Nélson Pereira recordou que Rui Patrício e Diogo Costa, os 'donos' da baliza da seleção nacional nos últimos anos, eram "guarda-redes jovens, que foram cometendo erros, mas os treinadores continuaram a apostar neles".
"Temos de tomar estes exemplos e segui-los, sabendo que haverá acidentes de percurso. É preciso ter essa coragem, senão, qualquer dia, não temos guarda-redes para a seleção nacional", assinalou, frisando que "os miúdos ainda se reveem" em "referências" como Vítor Baía, Rui Patrício ou Diogo Costa: "No dia em que acabarem essas referências, também acabará o interesse dos miúdos pela baliza".
Se os portugueses estão em minoria na I Liga - mas também poucos há que sejam titulares em equipas estrangeiras -, são os brasileiros que dominam as balizas em Portugal, com oito como primeiras opções.
"O Brasil, há uns anos, passou por este fenómeno de não ter um guarda-redes com qualidade consentânea com o valor da sua seleção. Perceberam, por altura da geração do Taffarel, que as coisas não estavam fáceis, e começaram a trabalhar muito na formação dos guarda-redes, a colocá-los na Europa, onde o treino também é diferente e os ajuda a tornarem-se guarda-redes de um nível elevado. Nesta altura, mesmo no Brasileirão, têm guarda-redes muito interessantes", analisou Nélson Pereira à Lusa.
Após terminar a carreira no Belenenses, em 2009/10, Nélson integrou a estrutura técnica do Sporting durante quase uma década, inclusive na primeira equipa, sendo que houve um guarda-redes com o qual trabalhou que ainda não atingiu o nível que esperaria: Luís Maximiano, atualmente no Almería, do segundo escalão espanhol.
"Há um que ainda pode vir a atingir o nível esperado, que é o Max [Luís Maximiano]. Teve a infelicidade de, no seu primeiro jogo na Lazio [na época passada], ser expulso aos oito minutos. Isso teve um impacto tremendo na carreira dele, porque ele tem muita qualidade e vai ter quase de reiniciar todo um processo que, até chegar à Lazio, estava a correr dentro do expetável para ele poder afirmar-se na Liga italiana. Infelizmente, um pequeno detalhe, às vezes, faz toda a diferença e essa expulsão fez toda a diferença", concluiu.