O bom, o mau e a noiva
No rescaldo de um orçamento chumbado e de um governo derrubado, a política madeirense divide-se entre o iminente fim dos tempos e a aparente normalidade enfadonha. De um lado, os que descobrem no chumbo do orçamento o prenúncio de um ano apocalíptico, com impacto de dimensões bíblicas na vida das pessoas. Do outro, os que sugerem que a falta de orçamento não é mais que um pormenor, uma ligeira vaga no mar de tranquilidade que é governar uma Região amarrado ao orçamentado para o ano anterior. Entre a catástrofe e o paraíso orçamental, é caso para dizer - nem tanto ao mar, nem tanto à serra.
O bom: NAV e os novos radares
Ainda não aterraram totalmente, mas o vislumbre da chegada e entrada em pré-funcionamento dos novos radares de monitorização do vento promete ter um impacto enorme na operacionalidade do Aeroporto da Madeira. Se tivermos em conta que, na esmagadora maioria das vezes, o vento é o culpado pelo encerramento do aeroporto e pelas inenarráveis dificuldades que isso coloca a um destino que depende da via aérea para sobreviver, é fácil antever a relevância deste investimento da NAV. Mas também é preciso deixar claro o que não se pode esperar dos novos equipamentos. Não se pense que, por milagre tecnológico, o vento deixará de soprar e nenhum avião ficará sem aterrar na Madeira. Não será, certamente, o caso. No entanto, não há dúvidas que começa aqui o complexo caminho da revisão dos limites de vento obrigatórios, que agrilhoam o nosso aeroporto desde os anos 60. Não será um processo simples, nem terá efeitos imediatos, mas tem o potencial de ser uma das principais decisões políticas sobre a mobilidade aérea na Madeira e dos madeirenses. Os novos radares são uma boa lição para a importância da persistência junto do Estado português e um bom exemplo da capacidade da política para influenciar, com dados científicos, a decisão técnica.
O mau: Chega e a moção de censura
Na semana em que se aprovou uma moção de censura ao Governo Regional, tornou-se chavão atribuir importância histórica à decisão da Assembleia Regional. O “momento histórico na vida política da Madeira”, como classificou Miguel Castro, deputado do Chega e proponente da censura, ficará nos livros como a primeira vez, em 50 anos de autonomia política, que a Assembleia derruba um Governo Regional e, por sinal, a segunda vez que isso acontece em Portugal. Trata-se, portanto, de uma curiosidade estatística, que terá lugar nos manuais de História, mas reservada a mera nota de rodapé. É aí que termina qualquer possibilidade desta moção de censura almejar ser mais do que uma convergência partidária circunstancial, assente em pura tática eleitoral e muito pouco em política. Basta identificar as contradições ideológicas necessárias para que o Governo fosse censurado e demitido. Liberais de mãos dadas com partidos não-liberais, partidos de esquerda alinhados com partidos de direita e até defensores das “problemáticas de género” mancomunados com conservadores patrióticos. Muitos dos coligados de ocasião traçaram linhas vermelhas ao Chega, exigiram que, em seu redor, se fizesse um cordão sanitário, ameaçaram que qualquer contacto entre o PSD e o Chega implicaria o fim da democracia como a conhecemos. Tudo para que, na hora da verdade, juntassem o seu voto ao voto do Chega e, com isso, validassem a estratégia de André Ventura. Talvez seja esse o verdadeiro momento histórico da política madeirense: afinal, não foi o PSD que cedeu ao Chega, foram todos os outros.
A noiva: Paulo Cafôfo
A missa de corpo presente em que se tornou a liderança política de Paulo Cafôfo conheceu, nas últimas semanas, capítulos que vão do desastrado ao confrangedor. Depois da auto-sabotagem à tentativa de salvação do orçamento, Cafôfo tinha tudo para lançar-se num período de importantes, e cada vez mais necessárias, vitórias políticas. O PSD ausente da política e entretido a discutir o horário de funcionamento da sede, o Governo a fritar em lume brando até à inevitável censura e todos os partidos da oposição circunstancialmente alinhados na crítica a Miguel Albuquerque. Com o calendário político do seu lado, Paulo Cafôfo conseguiu a proeza de desbaratar todas as oportunidades oferecidas e, não satisfeito, criar problemas onde não existiam. O festival de golos falhados, muitos deles de baliza aberta, começou na inusitada, e provavelmente histórica, coligação anunciada sem convite prévio aos coligados. Depois do curto casamento com o JPP, que durou 4 horas e acabaria por nem chegar à escadaria do Palácio de São Lourenço, o PS conseguiu dinamitar uma coligação ainda antes da nascença. Ainda no papel de noiva deixada no altar, Cafôfo decidiu inaugurar um cartaz eleitoral em que a cara de Miguel Albuquerque é maior que o símbolo do PS. Por mais brejeiro que seja, o que surpreende no cartaz dos socialistas é a forma como Albuquerque se sobrepõe a Cafôfo e ao PS. De tal forma que, num cartaz socialista, há espaço para o presidente do PSD e nenhum para o presidente do PS. Para quem se apresenta como alternativa ao PSD, talvez não fosse má ideia dizê-lo nos cartazes. Se nem o PS gaba a noiva, quem é que a irá gabar?