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Madeira

Laurissilva da Madeira 25 anos depois da consagração como Património Mundial

Assinala-se hoje, 2 de Dezembro, os 25 anos do anúncio da inscrição da floresta Laurissilva da Madeira na lista de Património Mundial Natural da UNESCO, que veio a ser oficializada dois dias depois. 

Foi em 1999, em Marrequexe (Marrocos), na 23.ª reunião do Comité do Património Mundial da UNESCO, que a delegação portuguesa, onde se incluíam dois madeirenses, Bazenga Marques e Henrique Costa Neves, teve a confirmação da consagração desta floresta relíquia.

A Laurissilva da Madeira ocupa uma área com cerca de 15 mil hectares, correspondendo a quase 20% da ilha da Madeira. O bem classificado está incluído na área do Parque Natural da Madeira, uma área protegida e reserva biogenética criada em Novembro de 1982.

O DIÁRIO ouviu alguns especialistas e falou com a entidade gestora do bem, o Instituto das Florestas e Conservação da Natureza.

Ao DIÁRIO, Henrique Costa Neves, coordenador da candidatura da Laurissilva da Madeira a Património Mundial Natural e à data director do Parque Natural da Madeira, deu conta do processo moroso e trabalhoso para preparar o dossier a apresentar à UNESCO. Destaca o estudo com vista à caracterização quantitativa e qualitativa desta floresta madeirense, que obrigou à realização de cerca de 80 percursos, quase todos de dia inteiro, pelo interior da floresta, criando 1.150 pontos de amostragem.

Participaram nesse trabalho, além de Costa Neves, Rocha da Silva, Paulo Oliveira, Nuno Gouveia, José Carlos Marques, Isamberto Silva, Bernardo Favila Faria, e Virgínia Valente, esta última “uma peça-chave”, diz o coordenador, no processo de maquetização e preparação do documento final que deu origem a um livro.

O engenheiro técnico ressalva ao DIÁRIO que a mesma se revestiu “de um desígnio nacional”, algo que diz ter faltado a outros processos do género que se encetaram posteriormente.

Reconhece as dificuldades sentidas ao longo do processo “complexo”, com uma “instrução muito exigente”, e, passados 25 anos, diz que a essência se mantém, lamentando, contudo, o que diz serem “erros de gestão”, não deixando de apontar “as novas ameaças”.

Mais de 25 anos depois, Henrique Costa Neves recorda as “áreas estupendas de Laurissilva” que encontraram. Dá como exemplo as zonas altas das serras de São Vicente, perto da Ribeira do Inferno, e garante ter-se deparado com uma floresta “em bom estado de conservação”, embora reconheça já, na altura, existirem algumas machas “problemáticas”, como era o caso das zonas altas de São Jorge, já perto do Pico Ruivo, devido à “muita interacção com cabras e outro gado”, condicionando a regeneração natural da floresta. 

“Passados estes anos todos, e na sequência de alguns grandes incêndios, eu tive oportunidade de verificar que a Laurissilva da Ribeira do Tristão desapareceu, a Laurissilva da Ribeira da Cruz desapareceu 80%, e a informação que tenho é que grande parte da Laurissilva do vale da Ribeira da Janela veio a sofrer grandes depreciações”, enfatiza um dos grande impulsionadores da distinção mundial desta floresta, falando mesmo numa “regressão”, “declínio” e “decréscimo” no tocante à área de ocorrência da Laurissilva da Madeira.

Quem também aponta a necessidade de uma gestão mais adequada às exigências dos dias de hoje é Miguel Sequeira.

O professor de botânica da Universidade da Madeira, que já foi director regional de Florestas e o primeiro presidente do Instituto das Florestas e Conservação da Natureza (IFCN), aponta a necessidade de “diagósticos contínuos”, a cada 3 ou 5 anos, em parcelas fixas, “independentemente da metodologia adoptada, que tem de ser sempre a mesma para uniformização dos resultados”.

Tratando-se de uma floresta com árvores com 30 a 40 metros, o docente universitário entende que os espaços a monitorizar deverão ser de, pelo menos, 200 por 200 metros.

Tal monitorização permitirá a quem faz a gestão, num prazo “adaptado à floresta”, no caso será de 100 anos, adequar as acções e intervenções às reais necessidades da Laurissilva.

Ao não implementarmos uma estratégia destas, Miguel Sequeira entende que “estamos a retirar aos futuros gestores do futuro”, pois entende que “ao não fornecermos dados”, estamos a “impedir que o futuro possa acontecer de uma forma diferente”, mais amiga da floresta.

O também investigador, com vários trabalhos publicados sobre o tema, reconhece que nem tudo está mal, mas defende uma outra postura perante a Laurissilva. Não apenas de quem a gere, mas de todos os madeirenses. “A floresta, na Madeira, é uma questão de protecção civil”, argumenta, considerando que, face aos declives médios das nossas encostas, é “quase uma obrigação” cobri-las com vegetação.

“Nós temos uma floresta nativa que é o melhor para nós perante aluviões, perante incêndios, mas também para preservação da água, da biodiversidade, que ainda por cima é um activo turístico”, constata.

Perante estas premissas, o docente diz ser imperioso “proibir qualquer uso de fogo”, para reduzir substancialmente os riscos para a floresta, seja ou não Laurissilva.

Não ao pastoreio e combate às invasoras

Miguel Sequeira recusa equacionar, sequer, o livre pastoreio nas serras, lamentando as ‘guerras’ políticas em torno do assunto. “Isso nem devia ser tema de discussão”, sustenta.

Relacionando-se, também, com as atitudes e o uso da paisagem, diz ser imperioso um melhor e maior controlo das invasoras, uma das principais ameaças à floresta nativa.

“Uma planta endémica na Península Ibérica poderá ser invasora na Madeira”, refere, exempleficando com a giesta ou a carqueja, ao mesmo tempo que pede a todas as estruturas governativas um papel mais activo neste controlo, mesmo no espaço urbano. Inclui nesta lista de entidades, as próprias câmaras municipais.

Quem reconhece o aumento destas pressões é a entidade gestora do bem, no caso, o Instituto das Florestas e Conservação da Natureza (IFCN). Ao DIÁRIO, Duarte Barreto nota que “a Laurissilva, ao longo dos anos, tem mantido um estado de conservação favorável”, embora com a ressalva de que as espécies invasoras e a pressão humana têm vindo a crescer.

O chefe de divisão da Divisão de Conservação da Natureza e Bio(geo)diversidade daquele organismo público regional esclarece que essa constatação deriva da validação dos vários mecanismos de monitorização que consideram ou se debruçam sobre esta floresta nativa da Madeira, considerada Património Mundial desde 1999.

Entre esses mecanismos destacam-se os relatórios da Directiva Habitats, produzidos de seis em seis anos, que contam com o contributo da Madeira no que respeita ao habitat ‘Florestas Macaronésicas’, e o relatório da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), o ‘Conservation Outlook Assessment’, sobre o bem em apreço, documento feito a cada três anos.

Preocupações tendem a aumentar

A última apreciação feita pela IUCN, que data já de 2020, apontava para uma avaliação de ‘bom mas com algumas preocupações’ (“good with some concerns”). A anterior, em 2017, que chegou a gerar alguma polémica, tinha culminado numa avaliação menos positiva, notando uma ‘preocupação significativa’ (“significant concern”).

Em falta está o relatório que deveria ter sido produzido no final de 2023, respeitando a cronologia definida para este documento, que terá de reflectir alguns dos problemas que se têm tornado mais evidentes e que, de alguma forma, já têm vindo a ser aflorados.

As espécies invasoras são vistas por investigadores e pelas entidades gestoras deste bem natural como uma das principais ameaças à floresta Laurissilva. Em causa estão espécies introduzidas que se sobrepõem às nativas e acabam por afectar o funcionamento deste ecossistema único.

Da lista negra que causa preocupação fazem parte, entre outras, bananilha (‘Hedychium gardnerianum’), o maracujá-banana (‘Passiflora mollissima’), a abundância (‘Ageratina adenophora’), a tabaqueira (‘Solanum mauritianum’), a acácia (‘Acacia spp.’) ou o incenseiro (‘Pittosporum undulatum’).

Os incêndios figuram, igualmente, na lista de grandes preocupações que podem afectar o ecossistema Laurissilva da Madeira.

No último grande fogo que afectou a ilha, lavrando em quatro concelhos - Ribeira Brava, Câmara de Lobos, Santana e Ponta do Sol - foram consumidos, nas constas do Instituto das Florestas e Conservação da Natureza, cerca de 140 hectares desta floresta que é considerada Património Mundial Natural e um sítio da Rede Natura 2000.

No ano passado, a Laurssilva também foi ‘beliscada’ pelo grande incêndio que, no mês de Outubro, queimou uma extensa área dos concelhos da Calheta e do Porto Moniz. Zonas como a Ribeira do Tristão ou o vale da Ribeira da Janela ou Galhano viram algumas das suas espécies vegetais consumidas pelas chamas. Sempre que há fogo, o ecossistema fica mais pobre.

A fechar a lista de factores negativos, Miguel Sequeira não esquece a pressão humana, que, na sua opinião, toca todos os outros até agora referidos.

“Onde é que está escrito que andar na floresta é bom para a floresta?”, questiona-se de forma retórica. “Em lado nenhum”, ainda que ressalve que a presença humana deve ser gerida tendo em conta a sustentabilidade, limitando o número e promovendo a “segurança biológica”. “Não podemos cobrar bilhete e, depois, não limpar as botas”, sustenta, enquanto pede maior sensibilização e controlo de quem nos visita.

Distinção baseada em dois critérios

A inscrição da Laurissilva da Madeira na lista de Património Mundial Natural deu-se dado o carácter excepcional deste bem natural. Embora a candidatura pretendesse que fossem considerados os quatro critérios naturais estabelecidos pelas convenções da UNESCO respeitante ao tema, foram apenas ‘validados’ dois deles.

Consideraram os peritos que a Laurissilva da Madeira era – e continua a ser – um exemplo representativo de processos ecológicos e biológicos em curso no desenvolvimento de ecossistemas e de habitats (critério II) e era – e continua a ser – um sítio representativo de habitats que contribuem para a diversidade biológica e onde existem espécies com elevado valor de conservação (critério IV).

Na avaliação então feita pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) podemos ler que “quase todas as suas plantas e animais são exclusivos da Laurissilva”, bem como que “a Laurissilva madeirense não só é maior como apresenta diferenças biológicas em relação a outras laurissilvas”, contendo “os habitats naturais mais importantes e significativos para a conservação in-situ da diversidade biológica”.

Mas que floresta relíquia é esta?

Na Laurissilva estão presentes mais de 80% dos endemismos da Madeira, espécies que não encontramos no estado natural noutro local do Mundo. Neste conjunto incluem-se plantas, mas também animais, com particular destaque para os insectos, que pela sua abundância e diversidade, são o grupo mais representativo. Os números revelam que cerca de 20% das quase 3.000 espécies de insectos já identificados são endémicas.

Esta floresta é fundamental para o equilíbrio hídrico da Região, graças à grande capacidade de retenção de água que muitas das suas espécies garantem. Em causa está não apenas a água das chuvas, mas, também, a água do nevoeiro. Juntam-se na lista de funções vitais importantíssimas, o papel desta floresta no ciclo dos minerais e na produção de biomassa. Paralelamente, há outros serviços que não podem passar despercebidos, como o papel na atracção turística.