Seis em cada 10 deslocados não querem regressar a casa
Seis em cada 10 pessoas deslocadas internamente devido a conflitos ou catástrofes naturais preferem manter-se na sua localização atual do que regressar a casa, concluiu um relatório publicado hoje pela Organização Internacional para as Migrações (OIM).
A preferência começa a identificar-se assim que as pessoas se estabelecem num novo sítio, depois de fugir das respetivas casas, referem os autores do relatório "Progress", divulgado pelo Global Data Institute da OIM, em parceria com a Universidade de Georgetown, na véspera do Dia Internacional das Migrações, assinalado anualmente a 18 de dezembro.
O estudo pretende fornecer orientações sobre como criar soluções duradouras para milhões de pessoas em crise, reconhecendo que a preferência dos deslocados em manterem-se nos locais onde se estabeleceram contraria a suposição comum de que todos querem regressar à sua origem.
Várias razões impulsionaram os mais de 116 mil deslocados questionados a responder desta forma.
De acordo com o estudo, "entre as pessoas deslocadas por catástrofes há mais de cinco anos, uns impressionantes 96% desejam permanecer onde estão", o que se explica sobretudo por razões de segurança.
"Quando as pessoas se sentem seguras, 71% preferem ficar, enquanto aqueles que se sentem inseguros são mais propensos a considerar o regresso às suas áreas de origem", aponta o documento.
Por outro lado, as oportunidades económicas são também cada vez mais essenciais para a escolha.
"Entre os indivíduos deslocados há cinco anos ou mais, 25% [um em cada quatro] referem os meios de subsistência e o emprego como a sua principal prioridade, em comparação com 18% entre os deslocados há menos de um ano", conclui o estudo.
Embora as pessoas deslocadas por conflitos possam considerar o regresso com maior frequência do que as pessoas deslocadas por catástrofes naturais, os fatores da escolha são os mesmos em todos os contextos: a segurança, a estabilidade e as oportunidades de subsistência.
Mas há mais razões para manter os deslocados nos locais para onde fugiram, como é o caso dos laços sociais.
A ligação e participação na comunidade "podem afetar as intenções de soluções duradouras", refere o estudo, apesar de admitir que a participação em atividades comunitárias é relativamente baixa no local de deslocação, sendo um hábito de menos de um terço dos deslocados internos.
No entanto, quando acontece, "mais de 8 em cada 10 (86,2%) dos que participam mostram querer permanecer na localização atual".
Uma outra conclusão deste inquérito é que menos de 5% dos deslocados internos desejam mudar-se ou reinstalar-se, mas, de facto, mais de um terço são vítimas de deslocações múltiplas.
Face às conclusões do "Progress", os autores deixam recomendações às equipas humanitárias e às autoridades locais, a começar por preparar condições "para a integração local" dos deslocados.
"As autoridades nacionais e os parceiros internacionais têm praticado historicamente uma abordagem orientada para os retornos", mas "as conclusões deste relatório sugerem fortemente a necessidade de uma articulação por parte de todas as partes interessadas para melhorar os programas de apoio à integração local", sugere o estudo.
Por isso, os autores recomendam que haja frequente partilha de informações com os deslocados internos sobre os apoios disponíveis e uma monitorização consistente das suas intenções para poder criar soluções duráveis.
Além disso, propõem os responsáveis do "Progress", os governos e as autoridades devem desenvolver respostas políticas mais personalizadas, "considerando a causa do deslocamento e a vulnerabilidade relacionada".
Isto poderia incluir, por exemplo, enfrentar o impacto das deslocações provocadas por catástrofes, investindo em "programas de envolvimento comunitário para facilitar a integração" das pessoas.
Outra das recomendações avançadas é que as autoridades e os profissionais garantam que os deslocados possam participar nos planos para a solução das suas situações. E que haja "novas oportunidades para melhorar os quadros de governação", quer através de governos locais quer de autoridades regionais.
Um outro ponto muito importante é o da comunidade de acolhimento.
"As características sociais e económicas da comunidade de acolhimento desempenharam provavelmente um papel" determinante na escolha dos deslocados em integrar-se ou regressar ou até tentar deslocar-se para outro local, segundo o estudo.
As conclusões do "Progress" têm implicações para as discussões atuais sobre a mobilidade climática, especialmente em torno perdas e danos.
"O conhecimento do que os deslocados realmente querem e porquê é fundamental para criar as melhores soluções, até porque o seu número continua a crescer", defende a diretora-geral da OIM, Amy Pope, citada no relatório hoje divulgado.
De acordo com a responsável, o número de deslocados internos passou de 71,1 milhões em 2022 para 75,9 milhões em 2023 quer devido a conflitos, violência, desastres ou eventos relacionados com o clima.
O "Progress - Relatório Periódico Global sobre o Estado das Soluções para o Deslocamento Interno" foi lançado em 2023 para fornecer provas sobre os fatores que permitem às pessoas deslocadas avançar para soluções duradouras e para apoiar os governos, os intervenientes humanitários e de desenvolvimento e as comunidades de acolhimento a aumentar e melhorar resultados de soluções.