Frankenstein
1.O Orçamento 2
A oposição chumbou o Orçamento Regional para 2025. A tragédia, o horror, o caos! Que dia negro para a história da Madeira. Um orçamento que, segundo o governo, era a oitava maravilha do mundo, o equivalente político a um milagre de Fátima. Mas eis que, de forma vil e inescrupulosa, os partidos da oposição resolveram destruir este monumento à genialidade administrativa. Porquê? Porque são maus. Porque odeiam a Madeira. Porque não gostam de criancinhas, nem de professores, nem de creches, nem de nada. Pelo menos é nisso que, o governo e os deputados do PSD e do CDS, querem que todos acreditem.
Vamos às lágrimas de crocodilo do costume. Dizem-nos que este orçamento era para “os mais novos e os mais velhos”, “os trabalhadores e os vulneráveis”, “as instituições e as empresas”. Um orçamento que, a avaliar pelo tom melodramático, era tão perfeito que até o próprio Deus desceria dos céus para dar a sua bênção. E que fez a oposição? Rejeitou. Pisou a bondade. Escarrou na face da virtude.
Ou seja, a farsa do costume, deitada cá para fora pelos farsolas de sempre. Um orçamento é um instrumento de política pública, não uma coleção de slogans. E a verdade é que este orçamento foi desenhado não para ser aprovado, mas para ser chumbado. O que importava era criar um documento tão carregado de medidas populistas e apelativas que, ao ser rejeitado, pudesse ser usado como arma política. E aqui estamos, a assistir ao espetáculo patético de um governo a vitimizar-se perante a própria incompetência.
Os tais “mais 7 milhões para os professores”, os “mais 4 milhões para o desporto amador”, os “manuais escolares gratuitos”, não passam de isco. É uma lista de compras superficial, desenhada para chocar e indignar os distraídos. Mas onde estão as prioridades reais? Onde está a visão estratégica para a Madeira? Em lado nenhum. Porque este governo não governa, faz campanha permanente. E, como sempre, recorre ao mais velho truque do livro, culpar os outros.
A acusação à oposição “porque não quis” é, no mínimo, infantil. Como se a oposição tivesse a obrigação de aprovar qualquer coisa que o governo pusesse na mesa, independentemente de quão mal preparado estivesse. Chamar a isto “diálogo” ou “disponibilidade para melhorar” é um insulto à inteligência de qualquer pessoa minimamente informada.
E depois, claro, o grande desfecho: “Não tememos eleições. Vamos à luta pelos madeirenses.” Esta é a parte em que o governo larga a máscara e revela o verdadeiro objectivo deste teatro todo: provocar eleições antecipadas. Não porque sinta que tem soluções para oferecer, mas porque acha que pode reforçar o seu poder. Porque para Miguel Albuquerque e companhia, a Madeira não é um arquipélago, é um palco. E o povo, claro, não passa de figurante.
A Madeira não tem orçamento. Mas não é por culpa da oposição. A Madeira não tem orçamento porque este governo não sabe governar. Porque prefere a vitimização ao trabalho. Porque está mais preocupado em salvar a sua própria pele do que em resolver os problemas da região. Porque, no fundo, este governo tem medo de uma coisa apenas: ser confrontado com a realidade.
Governar por duodécimos não é nenhum drama, como bem prevê a Lei de Enquadramento Orçamental. Pode mesmo ser um benefício para os contribuintes, quando quem governa é despesista e só sabe atirar dinheiro para cima dos problemas e das disfuncionalidades.
2. O Líder da Oposição?
A Assembleia Legislativa da Madeira (ALRAM) é, por natureza e design, uma farsa institucional disfarçada de parlamento. Não por falha intrínseca do edifício democrático, mas pela incapacidade crónica das suas figuras de oposição, entre as quais Paulo Cafôfo, uma entidade formalmente existente, mas politicamente ausente. O problema da oposição madeirense não reside apenas na fragmentação ideológica ou no peso da máquina do poder regional, mas também na vacuidade da sua liderança, ou na completa ausência de algo que, com benevolência, se possa chamar liderança.
Um líder da oposição, em qualquer parlamento digno desse nome, deve ser, acima de tudo, uma figura de combate. É alguém que articula as críticas ao governo, congrega forças dispersas e galvaniza a sociedade em torno de uma alternativa clara e viável. Este líder não pode limitar-se a reagir passivamente à agenda imposta pelo executivo, mas sim antecipar-se a ela, definindo os temas do debate político e impondo um discurso que faça tremer as estruturas do poder. Um verdadeiro líder da oposição precisa de estratégia, carisma e uma visão de futuro capaz de inspirar tanto os seus aliados como os eleitores. Deve ser incómodo, incansável e, sobretudo, presente — qualidades que estão, todas elas, ausentes na actual figura que ocupa essa posição na ALRAM.
Paulo Cafôfo, líder nominal da oposição, deveria ser, em teoria, a figura que congrega e articula as críticas ao governo regional, encabeçado por Miguel Albuquerque, e o principal responsável por propor uma alternativa política para os madeirenses. Contudo, não só falha em liderar o seu próprio partido com a firmeza necessária, como nunca se verifica qualquer esforço de aproximação aos outros partidos da oposição. Não há contactos, não há conversas, não há tentativas de encontrar pontes ou consensos em torno de questões estratégicas que possam minar o domínio absoluto do PSD-Madeira. Esta ausência de diálogo revela um isolamento que não é apenas táctico, mas profundamente revelador de uma política de total inércia.
A ALRAM, palco privilegiado da política regional, transforma-se, assim, numa espécie de teatro vazio. O governo, seguro da sua hegemonia, domina com naturalidade a agenda política, enquanto a oposição, incapaz de sequer aparentar unidade, se limita a desempenhar papéis secundários, ora com gestos de indignação inconsequente, ora com um silêncio cúmplice. Paulo Cafôfo, no centro deste cenário, não desempenha qualquer função que não seja a de figurante discreto, incapaz de inspirar os seus aliados ou de preocupar os seus adversários.
Esta falta de liderança não é apenas um defeito individual, mas o reflexo de um sistema político regional profundamente viciado. Durante décadas, o PSD-Madeira moldou a ALRAM à sua imagem e semelhança, transformando-a num instrumento de legitimação do seu domínio, com a complacência de uma oposição que nunca teve a coragem, ou sequer o interesse, de oferecer uma resistência verdadeira. Hoje, Cafôfo é apenas a face mais visível de um fenómeno de decadência generalizada: uma oposição que existe para cumprir calendário, sem ideias, sem estratégia, sem impacto.
A questão não é meramente retórica: que utilidade tem um parlamento onde o líder da oposição não lidera, não opõe e, aparentemente, não existe? A resposta, evidente para qualquer observador atento, é que este parlamento serve, em última instância, para validar o status quo. A ALRAM não é um espaço de confronto político, mas um ritual burocrático que mantém as aparências de uma democracia que nunca chegou a amadurecer.
O caso de Paulo Cafôfo é particularmente ilustrativo porque, ao contrário de outros líderes de oposição na Madeira, ele teve oportunidade, experiência e contexto para se afirmar. Como antigo presidente da Câmara Municipal do Funchal, poderia ter usado esse capital político para liderar uma oposição robusta e articulada contra o governo regional. Mas, em vez disso, optou por um perfil baixo, discreto até à nulidade, perpetuando a irrelevância da oposição na ALRAM. Ao recusar dialogar com outras forças opositoras, e ao negligenciar a construção de uma estratégia comum, Cafôfo não só enfraquece o PS-Madeira como contribui para a perpetuação de um sistema político que marginaliza todos os que não estão no poder.
O que resta, então, à Madeira? Sem uma oposição real, sem um parlamento funcional e com um líder que não lidera, o arquipélago continua refém de um monopólio político disfarçado de alternância democrática. E Cafôfo, no seu silêncio ensurdecedor, não é apenas uma figura decorativa, mas um símbolo da capitulação total da oposição madeirense. No fim, a verdadeira tragédia não é a ausência de liderança, mas o facto de que ninguém parece sentir a sua falta.
3. Frankenstein
E cereja no topo do bolo, no final da sua falta de liderança, lembra-se que os outros existem e quer chamá-los para uma coligação “frankenstein” cujo único objectivo seria a tomada do poder. Que se explique como seria compatível um entendimento da IL com um BE que acha que o lucro é o maior de todos os pecados ou com um PAN cuja maior ambição parece ser proibir bifes ao pequeno-almoço. Como seria possível chegar a um entendimento entre um BE que quer destruir o capitalismo, sentado ao lado da IL, que quer libertá-lo. Ou um PAN que chora pelos cães vadios, enquanto o JPP grita por botijas de gás. E no meio, Cafôfo, a tentar convencer-nos de que esta ópera bufa pode ser governável. O resultado? Uma anedota que acabaria, inevitavelmente, em desgoverno ou, pior ainda, em tragédia.