Da solidariedade (ou da falta dela)
Ser solidário é prescindir de parte do que se possuiu, em benefício daqueles que menos têm, e sem onerar terceiros
O PS-M acusou a Coordenação da IL Madeira de “falta de solidariedade”, nomeadamente, por esta se ter manifestado contra as propostas de aumento do montante das subvenções públicas aos partidos com assento na Assembleia Legislativa. Este aumento seria obtido por 2 vias: a eliminação da norma-travão que indexou as subvenções ao salário mínimo regional do ano de 2015, e o aumento do valor mínimo a receber pelos grupos parlamentares de menores dimensões.
Sucede que o PS-M esqueceu-se de mencionar que estava a ser solidário, em primeiro lugar, consigo e com os maiores Grupos Parlamentares. Na verdade, à boleia do descongelamento do referencial das subvenções, o PS-M garantiria para si um aumento anual de € 106.260,00 (dos actuais € 155.540,00 para € 261.800,00). Já o PSD-M e o JPP seriam contemplados com aumentos, respectivamente, de € 183.540,00 e € 86.940,00.
Por sua vez, os partidos mais “desfavorecidos” teriam benefícios de € 19.320,00 (CDS-M) e de € 21.560,00 (IL-M e PAN-M). Ou seja, teriam aumentos “simpáticos”, mas continuariam, certamente, a debater-se com dificuldades financeiras. Pelo caminho, os contribuintes suportariam um custo acrescido total de € 477.820,00 por ano, direcionado, em grande medida, para os partidos mais “ricos”.
E se quisermos falar da proposta “solidária” do PAN-M, a mesma tal como se encontrava redigida, implicava um acréscimo anual de despesa superior a 12 milhões de euros, sendo € 116.760,00 directamente para o mesmo, e quase 7 milhões para o PSD-M.
Tudo isto para ser discutido e aprovado num momento em que a Madeira atravessa uma nova crise política, enfrentado a ameaça de novas eleições legislativas, e graças a um adiamento, manifestamente “ilegal”, da discussão da moção de censura que se encontra pendente.
Ora, quanto a isto, a posição da IL Madeira é bastante clara:
1. A fixação de valores destinados ao pagamento de remunerações com base no valor do salário mínimo de 2015 não faz qualquer sentido, e deve ser eliminada. Estes valores devem ser indexados ao salário mínimo que se encontrar, a cada momento, em vigor, o que configura uma mera (e justa) actualização com base no aumento do custo de vida.
2. Os grupos parlamentares de menores dimensões devem dispor de um apoio técnico adequado e habilitado. O reforço dos respectivos orçamentos deve ser obtido através da distribuição equitativa das verbas já existentes, reduzindo-se a “fatia” que cabe aos maiores, e não do aumento do montante global despendido.
3. Estas matérias não devem ser discutidas num período de instabilidade política, no qual as prioridades devem ser outras, e que pode suscitar dúvidas quanto aos reais objectivos (e contrapartidas) da respectiva aprovação.
Já agora: no ano de 2022 (o último em que funcionou com relativa normalidade), a Assembleia Legislativa da Madeira produziu 28 Decretos Legislativos Regionais. Ou seja, 2,3 diplomas legislativos por mês, ou, se preferirmos, 0,076 por dia.
Assim, antes de proporem o aumento significativo dos valores que recebem para assessorias parlamentares, os partidos mais representados na ALRAM talvez devessem ponderar se estão a utilizar de forma racional os recursos que já são colocados à sua disposição, bem como, se, para desempenharem de forma mais eficaz o seu trabalho, necessitam, efectivamente, de onerar (ainda) mais os contribuintes.
Ser solidário é prescindir de parte do que se possuiu, em benefício daqueles que menos têm, e sem onerar terceiros. A solidariedade à custa dos outros, e em benefício próprio, não é solidariedade.