Pode a maioria dos deputados juntar-se para retirar a moção de censura do Chega?
O CDS voltou a apelar ao Chega para que retire a moção de censura, que apresentou, no início de Novembro, ao Governo Regional de Miguel Albuquerque. Por José Manuel Rodrigues, o partido, que tem um acordo parlamentar com o PSD, veio sensibilizar o Chega para os contratempos que, primeiro, a falta de um Orçamento causa aos madeirenses e que, segundo, os atrasos que a aprovação de uma moção de censura impõem a que possa existir novo documento orçamental.
O apelo do CDS, além de revelar que o partido acredita que a moção de censura vai ser aprovada, na próxima terça-feira, como, de resto, já o admitiu o próprio Miguel Albuquerque, suscitou um conjunto de comentários cujo sentido impõe uma verificação quanto a sua veracidade.
Vários leitores, no Facebook do DIÁRIO, mas também no de outros órgãos de comunicação da Madeira, deixaram comentários no sentido de afirmarem que não é necessário o Chega retirar a sua moção de censura, para que ela não vá a debate e votação. Tais leitores deixam implícita a afirmação de que isso pode acontecer pela vontade e decisão da maioria dos deputados no parlamento. Será isso verdade?
Antes de verificarmos se o sugerido pelos leitores é possível, esclarecemos a improbabilidade de a moção ser retirada por essa via, mesmo que a lei e os regimentos o permitam (permitissem). Depois de na semana finda ter havido uma maioria absoluta, que votou contra o Orçamento da Região apresentado pelo Governo de Miguel Albuquerque, não se vislumbra como é que a mesma maioria se disporia a unir-se para garantir a continuidade desse mesmo executivo.
Politicamente, só faria sentido se essa mesma maioria, que chumbou o Orçamento para 2025, o tivesse deixado passar e agora quisesse dar uma oportunidade ao Governo Regional para o executar.
Vejamos, então, que possibilidade tem, se é que existe, uma maioria simples ou absoluta de deputados de retirar uma moção de censura da autoria de outra parte.
No que diz respeito ao sistema legislativo, em qualquer parlamento democrático, só pode retirar a iniciativa/diploma quem a/o apresentou. Se o partido X propuser uma lei, uma resolução, um voto… só o partido X o pode retirar antes de ser votado.
É essa regra que está consagrada na lei e nos respectivos regimentos da Assembleia da República – Art. 122.º - ‘Admitido qualquer projecto ou proposta de lei ou qualquer proposta de alteração, os seus autores podem retirá-lo até à votação na generalidade’ – e da Assembleia Legislativa da Madeira – Art. 135.º - ‘Admitido qualquer projecto ou proposta de decreto legislativo regional, ou qualquer proposta de alteração, o seu ou os seus autores poderão retirá-lo até ao termo da discussão’.
No entanto, em qualquer dos parlamentos, a iniciativa não tem necessariamente de morrer se retirada pelo autor ou autores.
Os mesmos artigos, num segundo ponto, dizem, para a Assembleia da República, que ‘se outro deputado ou o Governo adoptar como seu o projecto ou proposta que se pretende retirar, a iniciativa segue os termos do Regimento como projecto ou proposta do adotante’, e, para a Assembleia Legislativa da Madeira, que ‘se outro deputado ou o Governo Regional adoptar como seu o projecto ou proposta que se pretende retirar, seguirá ele os termos do Regimento como projecto ou proposta do adotante”.
Assim, poder-se-ia pensar que se o Chega retirasse a moção de censura, qualquer deputado, dos que já disseram que vão votar a favor, a poderia adoptar (assumir). Mas, não. Isso não pode acontecer. A adopção de iniciativa alheia como sua só é possível no âmbito da ‘iniciativa legislativa’, o que não é o caso de uma moção de censura ou de confiança.
Assim, no caso de o Chega retirar moção de censura (o que já disse que não vai fazer e, se assim for, este é apenas um cenário teórico) se algum partido pretender mesmo que seja votada uma moção de censura terá de apresentar uma. Nesse caso, começa todo o processo nesse momento.
Como fica claro, não é verdade que a maioria (simples ou absoluta) dos deputados possa retirar a moção de censura do Chega, ao Governo Regional da Madeira, contra a vontade do partido que a apesentou. Só quem a apresentou a pode retirar até ao momento imediatamente anterior ao da votação. Por isso, é falso o sentido dos comentários dos leitores que afirmam ao contrário.