Todo o carinho do mundo
Foi a sorte de crescer com mais uma mãe que era só tia e nos amou como filhos, um amor que iluminou a nossas vidas durante anos
A vida traz coisas boas e coisas más e eu costumo pensar que foi uma sorte crescer com a tia Teresa, a senhora de cabelo preto, morena e magra que me levava a ver procissões, à via sacra e a outras missas. A irmã mais nova da minha mãe não se casou e, se alguma vez esteve apaixonada, ninguém soube, mas isso não a fez amarga. A minha tia era o contrário de todas as coisas más, era a pessoa mais sensata de todas as que viviam entre o Jamboto e o Campo do Marítimo. Pelo menos entre as que eu conhecia.
Embora repetisse muitas vezes que me “ia dar ensino”, não conseguia guardar raiva para castigos e acabava sempre por dividir os chocolates por igual: uma parte para o meu irmão, outra para mim. Os filhos que eram só sobrinhos, mas o amor não precisa apenas de laços de sangue. Há mais na equação e ajudou sermos os mais novos, as crianças com quem comia os gelados do arraial, mais ou menos às escondidas. A minha tia não queria ficar falada, o que podiam dizer de uma mulher adulta, com idade para ter juízo, se se juntasse aos pequenos e ficasse a lamber um gelado no meio do descampado.
As pessoas diziam muitas coisas e, por isso, no domingo ou no sábado da festa de Nossa Senhora da Visitação, era preciso esperar até escurecer antes de ir ao senhor dos gelados. E essa imagem, do sorriso da minha tia a descer pelo caminho, tem dentro o encantamento da minha infância, parte da magia vinha do calor, do carinho daquela mulher tão tímida com estranhos. E a magia ia com ela, para os lugares onde andava, fosse a fazenda, fosse a casa do meu avô.
Eu lembro-me de a seguir debaixo das latadas, quando ia de fole de enxofre na mão ou tirar a folha à vinha. Ou quando pegava nas chaves grandes para abrir a porta da adega e do palheiro e, lá dentro, além das pipas, havia balanças e vasilhas para o vinho e para o leite. Em Dezembro, quando o mês da Festa obrigava a virar gavetas, a tirar a lã dos colchões e das almofadas para a estender ao sol, eu corria a ajudar aquela tia que, na nossa cabeça, não tinha apenas as chaves grandes da adega e do palheiro, era a pessoa que nos guiava pelo mundo mágico da infância.
O meu irmão esperava por ela em cima da ameixeira amarela todas as vezes que ia à cidade. A tia Teresa nunca ia apenas à cidade, trazia sempre uma caixinha de bolos da Penha de Águia ou livros do tio Patinhas e isso era o contrário daquele Laranjal austero, onde viver com o essencial não era para todas as pessoas, nem era garantido em todas as casas. Nós tínhamos o essencial e tínhamos a tia Teresa e de dentro de uma gaveta, a meio da tarde, naquelas limpezas da Festa, havia um bolo de mel para partir ou pão com queijo, que matava a fome, mas que foi sempre mais do que comida.
Foi carinho, foram todas as coisas boas que isso dá. E foi a sorte de crescer com mais uma mãe que era só tia e nos amou como filhos, um amor que iluminou a nossas vidas durante anos. A memória da tia Teresa ainda está lá na casa do meu avô, no jardim e na romãzeira que, todos os anos, pouco antes do Natal, dá frutos.