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Permanências, ruturas e recomposições

Foi o Edgar Silva que me deu a conhecer este livro e a honra de o apresentar em outubro passado. A obra, com mais de 140 páginas, constitui-se por quatro seções: I Parte – Guerra; II Parte – Descolonização; III Parte – Democracia; IV parte – Desenvolvimento, e foi publicada pela Universidade Católica Portuguesa. A introdução, feita por Paulo Rocha, da Agência Ecclesia, justifica de a importância que o Centro de Estudos de História religiosa da Universidade Católica Portuguesa teve para a existência deste trabalho.

Cada parte tem uma coordenação, sendo que a I Parte – Guerra - trata do conflito de paradigmas sobre o país e a religião. Está a cargo do meu bom amigo, Edgar Silva. Aqui irei referir-me somente ao 4º texto, desta parte.

“Ando aflita, Senhora de Fátima”, a Guerra está em Portugal (p.29).

E entro no arquivo de Fátima pelas palavras do investigador António Marujo.

“Mãe Santíssima tende compaixão de mim e do meu bom filho”.

Quase consigo ouvir a voz desta mãe alentejana. Ou a mãe de Valentim Silva Dias que regressou a salvo “Eu sua mãe, venho a vossos pés, Nossa Sra. De Fátima, mãe dos portugueses e nossa, agradecer-vos a graça que vos pedi de nosso filho ir para a Guiné e vir são e salvo (...)”.

Eram as gerações mais jovens as que mais sofriam. “Mais de oito mil jovens portugueses morreram nas operações, além de outros 15 mil terem ficado com problemas físicos ou psicológicos; e morreram ainda cerca de 50 mil angolanos, 6 mil guineenses e 10 mil moçambicanos” (p.29). Não tinha ideia de que tinham morrido tantos jovens. Quantas mortes servem para medir o desastre humano? Somos, de facto, máquinas de esmagamento. São tantas as misérias do mundo contemporâneo.

É impossível não se doer com os “oito milhões de documentos do “Correio de Nossa Senhora”, uma parte, inédita até 2020, do “Arquivo do Santuário de Fátima” (p.29).

Nas décadas de “1940/50 este espólio recolhe as mensagens que as pessoas enviam para ou deixam no santuário, a falar dos seus problemas ou a agradecer determinados acontecimentos das suas vidas” (p.29).

“Quem escrevia era quem ficava: -as mulheres”. (p.29). “A feminização da correspondência era evidente” (p.30) e assume-se, muitas vezes, que a guerra é um castigo pelos pecados cometidos.

“No que à guerra colonial se refere, a esmagadora maioria de quem escreve são mães, avós, ou outras familiares aflitos, namoradas ou noivas esperançadas” (p.31). Mas além do pecado há o medo ao comunismo. Medo que perdurou (perdura?) aos dias de hoje. “Foi um horror”. Fátima serviu/não serviu para “alimentar o nacionalismo colonial”. Mas para “Matos Ferreira”, diz-nos António Marujo, Fátima não legitimou a guerra colonial (p.32). Foi um horror. António Guerreiro: “fui daqui para a guerra de verta forma com algum conteúdo cristão, católico. Cheguei lá, passei a agnóstico. Quando vim, era ateu” (p.32).

Aldina Vaza, da Cruz Vermelha em Lisboa, em 1968 “sentiu verdadeiramente o horror do que era aquela guerra” (...). “Foi um horror, aí é que tive bem a consciência do que tinha sido aquela guerra para aqueles rapazes que partiam até com um certo orgulho” (p.32).

São os soldados destruídos. “Destruídos. Foi um horror. Uns de cadeiras de rodas, outros sem pernas, outros sem braços. Entrevistei um, que só tinha o tronco e a cabeça, estava estendido numa cama. Ali sim, havia muita revolta” (p.33).

Das cartas, mensagens e documentos, seguem-se pedidos, promessas e futuros. “Minha Mãe do Céu prometo-vos vir a pé daquela longe terra e rastejar desde a cruz alta até ao fundo da escadaria para melhor vos saber agradecer. Adeus. Minha queria Mãe, até ao dia da minha vinda”.

“Teria este homem regressado?”, pergunta António Marujo.