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Incumprimentos da República - a população mobiliza-se?

A Autonomia é uma das conquistas mais relevantes do regime democrático. Sem a sua criação, o desenvolvimento e rumo da Região Autónoma da Madeira (RAM) continuaria a um ritmo muito lento, incerto e sem que o seu povo participasse. É, no entanto, um equívoco pensar-se que, porque já se vive em Autonomia, essa dimensão está conquistada e concluída. A verdade é que a Autonomia por definição é autodeterminação, mas está sempre ligada a um percurso de progresso e desenvolvimento, acompanhados de aprofundamento e aperfeiçoamento, e a prova disso, é que passados 48 anos nessa realidade, persistem obstáculos por ultrapassar, que inadmissivelmente prejudicam a população.

Não colocando em causa a unidade e reforço da coesão nacional, é imperativo que se encontrem caminhos, com vista a alcançar-se uma Autonomia mais madura e sem complexos, que possa resolver questões que continuam por resolver, continuando algumas delas, a servir de retórica política no discurso de alguns políticos regionais. O permitir dessa evolução, está nas mãos da República. Mas o fato de vivermos numa democracia, poderia/deveria levar, em face das recorrentes reclamações sobre os repetidos incumprimentos da República, à mobilização da população para que se manifestasse pública e civilizadamente, exigindo o que lhes é devido. Compreende-se que tal feito, não seja promovido pelo governo regional, já que esse incitamento, poderia afetar a idoneidade e o recato, que as instituições democráticas, como é um governo regional, têm de manter. Mas o partido que suporta o governo regional, poderia liderar essa mobilização, pois governa a RAM há quase 50 anos. No entanto, opta por adotar uma estratégia, que envolve retórica política para consumo interno, mas não é consequente na ação. A ausência de mobilização/participação, que é fatual na Madeira, pode ser atribuída a vários motivos, que muitas vezes se combinam, para criar um cenário de apatia ou resignação, podendo a forma usada pelo partido maioritário, ser explicada por fatores como: Estabilidade Política: Como partido desde sempre no poder, tem interesse em manter a estabilidade política e social, e incitar a população a protestar poderia criar tensões que poderiam dificultar a governabilidade e desgastar a sua imagem junto ao eleitorado. Ausência de Diálogo Institucional: Atualmente, e pelo que se percebe, não tem canais institucionais para lidar com a República e há muito que terá deixado de ter. Essa via, permitiria negociações/reivindicações formais e pressão política através de deputados e outras figuras influentes e visaria alcançar resultados práticos sem recorrer a confrontos diretos. Autonomia e Relacionamento com a República: Defende a autonomia da região, mas por outro lado, também sabe que a retórica política do inimigo externo é um filão que ainda rende audiência e adeptos. Por outro ângulo, protestos em massa poderiam ser vistos como um desafio direto ao governo da República, o que potencialmente, poderia deteriorar as relações e complicar negociações futuras. Calculismo Eleitoral: A liderança do partido pode considerar que manifestações públicas podem ter consequências imprevisíveis, incluindo o risco de alienar partes do eleitorado, que preferem soluções mais conciliatórias, ou que veem manifestações como uma ameaça à paz social. Controle do Discurso Político: Ao evitar manifestações públicas, o partido ainda maioritário, mantém maior controle sobre o discurso político e as narrativas que dominam o debate público. Mobilizar a população para protestos poderia resultar em mensagens variadas e, possivelmente, desorganizadas, que não estariam sob o seu controle direto. Perigo de despertar a população do seu “sono dogmático”: O mobilizar da população para uma grande manifestação pública contra os incumprimentos da República, poderia levar a que o povo percebesse que também pode e deve fazer manifestações públicas contra o governo regional. Em resumo, parece-me evidente, que para que a reclamação sobre os incumprimentos da República, ganhasse consistência e surtisse efeito, seria necessário mobilizar a população em número assinalável, de modo a que a mensagem chegasse em força à República. A partir dai, até poderíamos assumir que o “inimigo externo” já não seria retórica política, mas sim argumentação aceitável e necessária. Até lá, “tudo como dantes no quartel de Abrantes”.