O bom, o mau e os entalados
Com Princípios. Sem Privilégios. Foi o slogan da primeira encarnação de Paulo Cafôfo como líder do PS Madeira. Então, em Setembro de 2020, perante uma plateia de ilustres socialistas, Cafôfo prometeu, entre outras coisas, mais transparência e uma prática política sem privilégios. Um ano depois, nas páginas deste Diário e já demitido do PS, voltou a jurar que “o único privilégio é o de poder ajudar as pessoas e fazer algo pela nossa Madeira.”. Chegámos a 2024 e o slogan de 2020 tornou-se, para Cafôfo, numa incoerência gigante. Tão grande, que vai daqui até ao Parlamento Europeu.
O bom: A lição de Trump
Tal como em 2016, a noite foi de Trump. Ao contrário de 2016, em 2024, para além da presidência dos Estados Unidos, Trump e o Partido Republicano levam a maioria no Senado e ameaçam controlar a Câmara dos Representantes. A trilogia de poder parece prestes a completar-se – Casa Branca, Senado e Representantes – todos alinhados sob o comando de um homem e de um partido. Do outro lado da barricada, arrasta-se um Partido Democrata que nunca se reencontrou depois de Obama e que parece cada vez mais distante do americano comum. No naufrágio político em que se transformaram os democratas, capturados pelas políticas identitárias e de justiça social, Kamala foi mais passageira do que comandante. Nunca deixou de ser a substituta de Biden e acabou a perder votos em todos os condados onde os democratas haviam vencido em 2020 e, talvez mais surpreendente, a perder apoio junto do eleitorado latino e afro-americano. Trump não mudou a América, mas foi o único a falar para o cidadão comum, para quem perdeu o emprego, para quem foi castigado pela inflação. A esses americanos, Trump falou de economia, enquanto Kamala falou-lhes de sociologia. Na hora do voto, o bolso dos americanos falou mais alto. É certo que a proposta económica de Trump assenta numa guerra de tarifas que vai afetar a economia mundial e que a sua visão do mundo é profundamente fechada e unilateral. Mas com Kamala ausente do debate económico, tudo isto pareceu aos americanos como um bom plano. Com a América fechada sobre si mesma, resta saber se a Europa aprenderá com a lição de Trump. Os líderes têm de falar e de governar para o cidadão comum e não para as elites bem-pensantes.
O mau: Chega Madeira
De muito satisfeitos a profundamente preocupados, em menos de 48 horas. Foi assim a montanha-russa emocional em que se transformou a liderança do Chega na Madeira. Na segunda-feira, estavam encantados com a possibilidade das suas propostas serem incluídas no Orçamento Regional e, na quarta, não só exigiam a demissão do Governo, como estavam decididos no chumbo orçamental. Todavia, o ziguezague político começara dias antes. No final do mês passado, soube-se que Ventura, fragilizado pelo fiasco negocial no Orçamento do Estado, teria encomendado uma moção de censura aos deputados da Madeira. A encomenda não foi aceite, mas a resposta negativa merece transcrição. “A queda do Governo Regional poderia pôr em causa a continuidade das políticas e comprometer o progresso que tem sido feito pelo Chega na Região; a presunção de inocência de Miguel Albuquerque deve ser respeitada; censurar o Governo prejudicaria a vida dos madeirenses; e promover a instabilidade política na Madeira criaria um foco político desnecessário.” O PSD não teria escrito melhor. Dez dias depois, as mesmas pessoas que se confessavam preocupadas com a presunção de inocência e com a estabilidade política, apresentaram uma moção de censura assente em suspeitas e desenhada para criar confusão. O que preocupa na atuação do Chega não é a censura ao Governo, mas a leviandade com que a mesma é apresentada. Encomendada por Lisboa, pejada de contradições e ofensiva para os partidos que a terão de aprovar - a moção de censura ao Governo Regional parece desenhada para falhar. E o Chega, o menos interessado em que a mesma seja aprovada.
Os entalados: Partido Socialista
Entalados entre fazer um frete ao Chega ou um frete ao Governo do PSD. É nesse peculiar entroncamento político que se encontra o PS Madeira. Por um lado, a aprovação da moção de censura seria a confirmação pelos socialistas de que o Chega, embora não sendo o maior partido da oposição, é o líder da contestação parlamentar ao governo de Miguel Albuquerque. Esse facto torna ainda mais inacreditável que o PS, entretido nas habituais lutas internas, se tenha deixado ultrapassar pelo Chega na apresentação desta moção de censura. Por outro lado, a rejeição da moção do Chega, como tentativa velada do PS de recuperar a liderança da oposição, seria uma contradição difícil de explicar ao eleitorado. Poucos compreenderiam que o PS, ávido crítico do governo e da governação do PSD, se escondesse atrás da semântica da moção do Chega para adiar a censura a Albuquerque. Ainda assim, Cafôfo sabe que um cenário de eleições em Fevereiro de 2025 não é favorável aos socialistas e que, para além da liderança de Albuquerque, será a sua liderança do PS, já fragilizada internamente, a ser julgada nas urnas. Talvez isso explique que Cafôfo tenha anunciado a viabilização da moção do Chega com o entusiasmo de um condenado a caminho da cadeira elétrica. A pantomina em que se transformou esta moção de censura afeta mais a credibilidade das instituições democráticas do que qualquer investigação criminal.