As trotinetes eléctricas podem circular na estrada sem seguro?
Um acidente de trânsito no centro do Funchal resultante de colisão de trotinete eléctrica em automóvel provocou inúmeras reacções nas redes sociais. Nomeadamente pelo facto das trotinetes não terem matrícula nem ser obrigatório seguro de responsabilidade civil. Daí que muitos se interroguem se as trotinetes eléctricas estão autorizadas a circular na via pública e se em caso de acidente por responsabilidade do utilizador deste veículo, como resolver.
O embate de uma trotinete eléctrica na traseira de automóvel que havia parado para ceder passagem a peões, ocorrido esta quarta-feira à tarde, no centro do Funchal, entre muitos outros reparos – nomeadamente quanto à legitimidade do referido meio de transporte de duas rodas sem matrícula poder circular na faixa de rodagem destinada a veículos -, motivou interrogações e dúvidas quanto à responsabilidade civil do utilizador da trotinete perante terceiros em caso de acidente, uma vez que, normalmente, estes meios de transporte não possuem seguro.
A notícia deste acidente descreve que a trotinete embateu em automóvel, no Largo do Phelps, quando a condutora do carro parou a viatura para ceder a passagem a peões, tendo o jovem condutor da trotinete não travado a tempo de evitar o embate na traseira do veículo.
Rapidamente a difusão deste incidente motivou inúmeras reacções, quer na plataforma online do DIÁRIO – dnoticias.pt – quer nas redes sociais.
Andreína Ferreira , 06 Novembro 2024 - 16:24
Das dezenas de comentários a esta colisão de trotinete na rectaguarda de automóvel, em dnoticias.pt houve quem aconselha-se a chamar a PSP: “Espero que a condutora do carro tenha chamado a polícia, não vá o menino fugir à responsabilidade”. Mas também quem tenha manifestado dúvidas sobre como imputar responsabilidade ao utente da trotinete: “O problema é que as trotinetas não têm de ter seguro de responsabilidade civil, logo, quem paga os estragos?”. Nas redes sociais, enquanto Ivan Carvalho escreveu “Gostaria de saber o que acontece nestas situações e quem arranja o quê, visto que a trotineta normalmente não tem seguro…”. Já Alexandre Dias conclui que “Não ter seguro não significa inimputabilidade dos danos”.
Para dissipar dúvidas pedimos a um especialista em sinistro, que pediu para não ser identificado, e a Ricardo Fernandes, instrutor de condução/director de escola de condução respostas para as dúvidas em questão.
Ambos convergem no que diz respeito à legitimidade destes veículos transitarem na ‘faixa de rodagem’ juntamente com outros veículos.
“Em geral, as trotinetes eléctricas são consideradas veículos e, portanto, podem circular na maioria das vias públicas”. Mas chamam a atenção que “os condutores de trotinete devem seguir as mesmas regras básicas do Código da Estrada que se aplicam a outros veículos, como respeitar os sinais de trânsito, as passadeiras para peões e as velocidades máximas permitidas”. Ressalvam ainda que “as trotinetes podem, na maioria dos casos, circular em ciclovias, desde que respeitem as regras de trânsito e respectiva sinalização”.
Em suma, devem circular na estrada, encostados à direita ou na ciclovia e nunca nos passeios, como é hábito comum.
Já no que diz respeito ao seguro, tal como se verifica com as bicicletas, as trotinetes não são obrigadas a ter seguro auto.
Em Portugal a principal legislação que rege a utilização de trotinetes eléctricas é o Código da Estrada. E este estabelece que as trotinetes são equiparadas a velocípedes: “Isto significa que, em termos gerais, as regras aplicáveis às bicicletas também se aplicam às trotinetes”, complementam.
“Uma vez que as trotinetes com motor se equiparam a velocípedes, não é obrigatório ter seguro”. Contudo é recomendável ter seguro de responsabilidade civil que abranja danos a terceiros em caso de acidente.
Em caso de acidente, como o caso aqui reportado, ocorrido ontem no Funchal, apesar de a lei não obrigar à contratação de um seguro para trotinetes, o condutor deste veículo é responsável pelos prejuízos que este possa causar e, em caso de acidente, pode incorrer em graves responsabilidades face às indemnizações que lhe poderão ser exigidas, adverte o especialista em sinistros. Reforça que a polícia é sempre a entidade responsável por fazer o levantamento dos acontecimentos, como tirar as medidas à tipologia do sinistro, fazer um enquadramento da situação, verificar se foram cometidas contra ordenações e identificar os intervenientes ou proceder ao teste de alcoolemia.
“Se não tiver seguro e a responsabilidade de um acidente for sua, terá de pagar todas as despesas de reparação de veículos ou os tratamentos médicos a condutores e peões envolvidos”, afirma o perito.
Opinião que não é totalmente partilhada pelo instrutor/director de escola de condução, por considerar que o Fundo de Garantia Automóvel também poderá ser accionado nos casos que envolva veículo motorizado, embora com cobertura (muito) limitada.
Em causa o Decreto-Lei Regime que estabelece o regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, que refere, no n.º 1 do Artigo 47.º, “a reparação dos danos causados por responsável desconhecido ou isento da obrigação de seguro em razão do veículo em si mesmo, ou por responsável incumpridor da obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel, é garantida pelo Fundo de Garantia Automóvel”.
Neste caso o especialista em sinistro ressalva que importa ter presente que o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel é desenhado para cobrir os danos causados por veículos motorizados, que no caso das trotinetes eléctricas, embora com motor e podendo partilhar vias com veículos motorizados, são classificadas como velocípedes.
Ainda assim admite que o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel possa oferecer “alguma protecção limitada em situações muito específicas”, nomeadamente em casos – apontou como exemplo – em que o automóvel estacionado é embatido por trotinete, e assim concluir que esta ‘protecção’ não é suficiente para cobrir a maioria dos acidentes envolvendo trotinetes.
Sustenta por isso que em caso de acidente da responsabilidade do utilizador da trotinete, caso este não disponha de um seguro de responsabilidade civil – uma vez que a lei não obriga a que os particulares contratem qualquer seguro para circular - que cubra os danos causados pelo utilizador a terceiro, o lesado terá de exigir o ressarcimento dos danos directamente ao condutor da trotinete. E nestes casos aconselha que se fotografe de imediato os veículos envolvidos, sem que proceda à deslocação das viaturas e chamar as autoridades ao local para que registe o acidente e proceda à identificação de todos os intervenientes e das respectivas viaturas envolvidas.