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Explicador Madeira

O que é "excesso de turismo" e estará a Madeira nesse limite?

Foto Arquivo/Aspress
Foto Arquivo/Aspress

Nos últimos tempos, muito se tem falado sobre excesso de turismo na Madeira. Embora para muitos madeirenses pareça evidente que estamos a viver um período em que há turista a mais para o que estávamos habituados, com reflexo em muitos pontos turísticos mais conhecidos onde é praticamente impossível não 'esbarrar' com uma enchente de visitantes de várias nacionalidades, a verdade é que tecnicamente falando a Madeira está longe do que se pode designar como "excesso de turismo".

O tema assumiu uma proporção tal que tem sido debatido a vários níveis, chegando mesmo ao parlamento regional, onde no final de Outubro entrou um Projeto de Decreto Legislativo Regional que visa a "Gestão e Controlo dos Fluxos Turísticos na Região Autónoma da Madeira", da autoria dos deputados da Iniciativa Liberal e do PAN. Ou seja, pretendem "criar condições para que tanto os visitantes quanto os residentes da Madeira possam desfrutar de um bom acesso a todos os locais turísticos".

Explicam, ainda que "locais emblemáticos como o Pico Ruivo, o Ribeiro Frio, as Levadas e o centro histórico do Funchal têm enfrentado congestionamentos que ameaçam a sustentabilidade ambiental e cultural destes espaços. Esta situação coloca em risco a integridade dos ecossistemas e monumentos, assim como a atratividade da Região como destino turístico de qualidade", bem como a "qualidade da experiência turística e a manutenção do bem-estar dos residentes". Mas há quem diga que a Madeira está a receber turistas a mais do que pode suportar. Mas será mesmo assim?

No ano passado, entraram nos alojamentos turísticos da RAM um total superior a dois milhões de hóspedes, mais precisamente 2.090.849. No final de 2023 a população residente ascendia a 256.622 mil habitantes. Sendo assim, entraram nas unidades de alojamento ao longe de 2023 uma proporção de 8,14 turistas por cada habitante. Os dados estão disponíveis nas Estatísticas do Turismo e, também, nas Estatísticas Demográficas da RAM.

Este ano, ainda que com apenas 9 meses contabilizados no turismo, a Madeira já viu entrar 1.706.600 hóspedes nos alojamentos turísticos, sendo certo que a população estimada no 3.º trimestre de 2024 (dados do Inquérito ao Emprego mais recente) ascende a 257.300 residentes, estando com 6,6 turistas por residente, peso proporcional abaixo da média do final do ano transacto, mas acima da média do mesmo período (3.º trimestre de 2023), que se saldava em 6,3 visitantes por cada residente.

De acordo com um trabalho da National Geographic Portugal no início deste ano, que 'casa' muito com a sensação de excesso de turismo que muitos madeirenses dizem sentir, "o turismo foi uma das indústrias mais afectadas pela pandemia da COVID – segundo a UNWTO, o número de chegadas internacionais desceu 72 por cento em 2020. No entanto, o número de viajantes tem estado a aumentar rapidamente desde então: o número de pessoas que viajaram para o estrangeiro nos primeiros três meses de 2023 duplicou em relação ao mesmo período de 2022. E, segundo o World Travel Tourism Council, espera-se que o sector do turismo facture 7,5 biliões de libras este ano, 95 por cento dos valores anteriores à pandemia".

Mais, referem, "embora as previsões indiquem que a indústria turística representará 11,6 por cento da economia global até 2033, também se prevê que um número crescente de pessoas demonstre um maior interesse em viajar de forma mais sustentável. Num inquérito realizado em 2022 pela Booking.com, 64 por cento dos inquiridos disseram estar preparados para se manterem afastados de sítios turísticos movimentados para evitarem contribuir para a sua congestão".

Para já, não é o que tem acontecido, tanto é que só agora a Madeira (com excepção de Santa Cruz que foi a pioneira) está a começar a aplicar taxas turísticas municipais para que estes ajudem a reduzir a pegada ecológica no destino. Mas há destinos e destinos e, nesse particular, Funchal, por ter uma grande concentração de estabelecimentos de alojamento turístico, tem estado sob pressão, sobretudo porque também é o ponto de chegada e partida de navios de cruzeiro, que 'ajudam à festa'.

Expliquemos quatro definições, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), publicados pela empresa especializada IPDT - Turismo e Consultoria:

TURISMO

  • O turismo envolve a deslocação de pessoas para países ou lugares fora do seu ambiente habitual, para fins pessoais ou comerciais / profissionais. Estas pessoas são designadas por visitantes (que podem ser turistas ou excursionistas; residentes ou não residentes), e o turismo relaciona-se com as suas atividades, algumas das quais envolvem despesas turísticas.  

DENSIDADE TURÍSTICA

  • Indicador que permite avaliar a pressão turística sobre o território, através da relação entre o número de dormidas nos meios de alojamento e a área do território, medida em km2.

INTENSIDADE TURÍSTICA

  • Indicador que permite avaliar a relação entre turistas e população residente a partir do rácio entre o número de dormidas nos meios de alojamento e o número de residentes.

VISITANTE

  • Qualquer pessoa que viaje para um destino principal fora do seu ambiente habitual, por menos de um ano, para qualquer propósito principal (negócios, lazer ou outro propósito pessoal) que não seja para ser contratado por uma entidade residente no país ou local visitado, é um visitante.

Há muitas outras definições, mas aquela que importa aqui é o EXCESSO DE TURISMO.

"Descreve geralmente o ponto de viragem a partir do qual os visitantes e o seu dinheiro deixam de beneficiar os residentes e, em vez disso, causam danos, degradando locais históricos, sobrecarregando as infra-estruturas e tornando a vida marcadamente mais difícil para os que aí vivem", diz um artigo recente do Euronews a propósito do cada vez mais elevado coro de críticas ao crescimento de visitantes.

Voltemos ao National Geographic, mas neste caso do Brasil (cujo português tentamos 'aportuguesar'), que refere: "A sobrelotação é um problema tanto para os habitantes locais quanto para os turistas. Ela pode arruinar a experiência de turismo para aqueles que ficam presos em longas filas, impossibilitados de visitar museus, galerias e locais sem reserva antecipada, incorrendo em custos crescentes para itens básicos, como comida, bebida e hotéis, e enfrentando a impossibilidade de vivenciar a maravilha de um lugar em relativa solidão." Esse problema na Madeira claramente aumentou mas nos pontos turísticos mais conhecidos, como o Pico do Areeiro, as 25 Fontes, o Cabo Girão e, dado o aumento de visitantes, cada vez mais pontos 

A ausência de regulamentações reais fez com que os lugares tomassem para si a responsabilidade de tentar estabelecer alguma forma de controle de multidões, o que significa que não há coesão e nenhuma solução real.

Justin Francis, cofundador e CEO da Responsible Travel – uma operadora de turismo que se concentra em viagens mais sustentáveis –, diz: "A mídia social concentrou o turismo em pontos críticos e exacerbou o problema, e o número de turistas em todo o mundo está aumentando enquanto os destinos têm uma capacidade finita. Até que as pessoas locais sejam devidamente consultadas sobre o que querem e o que não querem do turismo, veremos mais protestos."

Também segundo o portal brasileiro Férias Vivas, de entre "muitos dos impactos gerados pelo overtourism (excesso de turismo), podemos identificar a perda de qualidade de vida aos moradores e turistas deste município através do:

  • Aumento da criminalidade e assalto aos turistas;
  • Desvalorização cultural e depredação ambiental;
  • Horários culturais não respeitados (presente em cidades do interior onde a partir de certo horário geralmente não há barulho);
  • Aumento da poluição sonora;
  • Problemas de falta de água e eletricidade;
  • Trânsito e superlotação nos transportes públicos;
  • Alta especulação imobiliária;

Algumas destas definições, claramente entram no âmbito daquilo que tem sido vivenciado na Madeira, algo que qualquer cidadão mais atento percepciona e identifica na lista acima.

Agora a resposta à outra pergunta. Temos excesso de turismo?

Socorremo-nos dos dados do Euromonitor International, da qual o portal Holidu "analisou o número de chegadas em 2023 em comparação com a população local, sendo que as duas maiores cidades portuguesas se encontram no top 10 das mais sobrelotadas com turistas", mas com números claramente abaixo das do Funchal, mas já lá vamos.

"Dubrovnik lidera a lista, com 27 turistas por habitante. Esta cidade costeira, famosa pelo seu esplendor arquitetónico e pelo papel na série 'Game of Thrones', está a sofrer com a sobrelotação", refere um artigo publico em Agosto no portal do AICEP. "Segue-se Rodes, com 26 turistas por habitante, que enfrenta um rápido crescimento no número de visitantes, transformando as suas ruas históricas e praias em áreas congestionadas".

"Veneza está em terceiro lugar na lista, com 21 turistas por habitante, sendo uma das cidades mais afetadas pelo excesso de turismo. Os seus canais e edifícios históricos estão sob pressão. Na lista seguem-se Heraklion, na Grécia, com 18 turistas por habitante, Florença, com 13 turistas por habitante, Reykjavik, na Islândia, com 12 turistas por habitante, Amesterdão com 12 turistas por habitante, e aparecem Lisboa e Porto, com 11 e 10 turistas por habitante, respetivamente", com valores muito próximos da região no seu todo que, recordemos ficou-se por pouco acima dos 8 turistas por habitante. Ou seja, a nível regional (duas ilhas e não uma cidade), o problema parece 'bater à porta'. 

Então olhemos à cidade do Funchal que, no final de 2023, tinha uma população estimada de 107.562 pessoas, tendo as unidades estabelecidas na capital madeirense recebido um total de 1.226.110 hóspedes. Ou seja, no Funchal vivem 42% dos residentes na Região, mas recebe nos seus hotéis e outros alojamentos de turismo 58,6% dos hóspedes. Uma discrepância enorme que tem reflexos no número de turistas por habitante, na proporção de 11,4 por residente. Percentualmente, será maior do que Lisboa e Porto no mesmo período.

Contudo, é preciso lembrar que Funchal acaba por ser um dormitório para a maioria dos turistas que cá pernoitam, uma vez que uma boa parte passa parte da sua estadia a procurar os melhores sítios para apreciar as belezas da ilha. Contudo, importa recordar que nem sequer contabilizamos as enchentes que acontecem, por exemplo no Mercado dos Lavradores, sobretudo quando chegam os navios de cruzeiro. 

Fica ao critério de cada um perceber se estes números são ou não exagerados e se enquadram na definição de excesso de turismo.