“E se corre bem?”
Num tempo em que as instituições vivem em crise quem as lidera tem de ser diferenciado
Corria o ano de 2020, o mundo vivia em pandemia e Rúben Amorim respondeu desta forma aos jornalistas que lhe perguntavam se não era demasiado arriscado treinar um “cemitério de treinadores” como era à altura o Sporting Clube de Portugal. Na altura, o jovem de 35 anos que tinha começado a carreira seis meses antes, tinha passado pelo banco do Braga B, ascendido à cadeira de treinador principal do clube minhoto passados quatro meses e, em março da sua primeira época como treinador, assinado por um dos ditos “grandes” de Portugal. Conseguiu aos 35 anos e com seis meses como treinador aquilo que muitos não conseguiram ao longo de uma vida.
O seu estilo de liderança distingue-se pela audácia, teimosia e pela forma direta, sem rodeios, como transmite a sua mensagem, mesmo que contrária àquilo que os seus adeptos quereriam ouvir. Vejamos em que termos.
Na audácia temos o desprendimento com que aos 35 anos assumiu o desafio de alterar a cultura que reinava em Alvalade. Importa lembrar que dois anos antes, o clube tinha vivido o famoso ataque a Alcochete. Neste campo importa recordar que alterou o esquema tático com que se apresentava, passando a criar a nova moda do futebol nacional.
No capítulo da teimosia quem não tem presente a insistência num rapaz chamado Paulinho, trintão, que desperdiçava mais golos do que aqueles que finalizava, dizendo sempre que “a equipa está completa em todos os setores” num exercício de elegância que enfrentava, de forma implícita, as críticas da imprensa e dos “treinadores de bancada”, sem que para isso fosse necessário recorrer à falta de nível e educação com que os agentes desportivos nos têm brindado.
Por fim a franqueza nas palavras. A frontalidade com que Amorim assumiu todos os passos que deu nos quatro anos e meio que esteve em Alvalade caracterizados pelas palavras proferidas após a sua oficialização como treinador do United, são reveladores de equipas e lideranças mobilizadoras. Por muito amor que haja ao clube, calculo que nenhum adepto leonino tenha deixado de compreender a opção de dar um novo salto para igual ou maior desafio do que aquele que vivera no clube de Lisboa. Rúben poderia ter-se acomodado ao provável bicampeonato, mas preferiu viajar para terras de Sua Majestade onde enfrentará a necessidade de reinventar uma das maiores marcas do mundo.
Tudo isto para dizer que o sucesso que o projeto desportivo assumido por Rúben Amorim em Alvalade deve caracterizar todos aqueles que lideram: astúcia, determinação, carácter e gosto pelo desafio. Num tempo em que as instituições vivem em crise quem as lidera tem de ser diferenciado. Porém, quem lidera deve assumir sempre a lealdade às suas ideias, abraçar as convicções e ter a certeza das suas posições. Sem tibiezas ou receios, porque no fim do dia a nossa consciência é maior e mais importante que o politicamente correto. O trajeto de Rúben Amorim no Sporting mais é uma lição de vida: só vence quem está disponível a abdicar do conforto, da previsibilidade e do comodismo. Só pode liderar quem está disponível a sacrificar-se pelo bem maior.