O povo nem ligou….
Há certas coisas com as quais não se deve fazer política. As desgraças, as tragédias são um desses assuntos. Normalmente, querer cavalgar a onda de um eventual descontentamento popular acaba por trazer perdas, em vez dos esperados ganhos, a quem se quer aproveitar do mal de outros para o seu bem (leia-se, ganhar votos).
Porque o povo não se deixa enganar e se aponta o dedo a erros que coloquem em causa a sua segurança muito menos compactua com falsas pancadinhas nas costas e com quem só aparece junto deles para tirar fotografia.
Os partidos da Oposição, tal e qual aconteceu em janeiro (pelos vistos, não aprenderam) foram lestos em tentar aproveitar os incêndios para atacar Miguel Albuquerque e o seu Governo. Falaram de ausências, quando, por exemplo, Paulo Cafôfo só se apresentou no local dos incêndios a 19 de agosto. Só foi visto, entretanto, em conferências via vídeo, com fundo branco por trás. Presumivelmente para esconder onde estava (eventualmente também estava de férias, eventualmente também não as pôde ou não as quis interromper).
Falaram de ausências, escondendo que, nos incêndios de Pedrógão Grande, António Costa só lá apareceu na manhã de um sábado. Depois, numa mais lá foi visto. E, mais tarde, assistiria, em férias, ao longe, a novos incêndios de grande repercussão. Também sem suspender o seu descanso.
Falaram de resultados e de planos, quando em setembro o tão bom plano de Proteção Civil deixado por António Costa deu no que se viu. Infelizmente com mortes, entre as quais de bombeiros, a lamentar.
O PS sabe disso. Mas, também sabe que é preciso se fazer o maior ruído possível. Para ver se consegue ir mantendo os ânimos da população quentes.
Daí a comissão de inquérito realizada, num verdadeiro atentado à Autonomia, na Assembleia da República. Ouviram-se os mesmos atores que, em agosto, nas televisões, já tinham dado as suas opiniões. E que foram tão críticos então, em contraste com a benevolência revelada em setembro. Até parece que em agosto, na Madeira, é que houve mortes, feridos e danos em infraestruturas.
Depois, como era preciso continuar a alimentar a memória com a desgraça de outros, promoveu-se uma comissão de inquérito, agora cá, na Assembleia.
Mas, nesta corrida pelo aproveitamento dos votos, o PS esqueceu-se do seu “namorado de poucas horas”, o JPP. Este também quer protagonismo, mostrar que é que lidera a Oposição (aliás, foi isso que Élvio Sousa apregoou e vem apregoando). Daí que também tenha avançado com a sua comissão de inquérito. Como a mesma acabaria por ser suspensa, avançou com um debate potestativo sobre os incêndios, que acabaria por decorrer no mesmo dia em que, à tarde desse mesmo dia, o secretário da Saúde seria ouvido na comissão do PS.
O mesmo tema, as mesmas perguntas. Mas, isso não interessa. O que interessa que se tivesse perdido tempo parlamentar, que poderia ser utilizado para debater e decidir medidas mais do interesse do povo. O que interessava era que se voltasse a alimentar uma eventual indignação popular.
O que se esperaria, dois meses depois, é que a oposição tivesse percebido e tivesse colocado as questões de forma construtiva, tentando perceber o que acontecera, se verdadeiramente ouve culpados e onde se poderia melhorar. Sem quer ser acusador e juiz, ao mesmo tempo.
Não, o que se assistiu foi, lamentavelmente, a uma tentativa de linchamento, num espetáculo deprimente, em que os atores nem sequer se apresentaram bem preparados, salvo o secretário da Saúde. E o povo fez o que seria de esperar: nem ligou.
Ângelo Silva