Não arderam somente mato e espécies exóticas
Tendo em conta que entende que o problema está nas ignições, lembrando que no seu trajecto de casa ao Funchal é raro o dia em que não detecta 7 a 8 colunas de fumo, o que implica que a mudança que tem de ser feita é no velho hábito de utilização do fogo, Miguel Sequeira, ex-director regional de Florestas, garantiu que não arderam somente mato e espécies exóticas, embora reconheça que a área protegida da Laurissilva quase não foi tocada, muitas espécies desta mesma floresta foram afectadas, apontando para o retrocesso de 20 anos na preservação.
A ser ouvido na Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o "Apuramento de responsabilidades políticas no combate aos incêndios ocorridos entre o dia 14 e 26 de Agosto", o docente universitário, apontou que se nos primeiros cinco minutos do fogo na Madeira pudessem ser apagados, quanto menor for a robustez da acção, nem 20 mil homens poderiam conseguir combater. Desconhece se a primeira intervenção foi eficaz, mas acredita que se tivessem sido empenhados meios adequados à situação, se calhar não estaríamos na comissão de inquérito.
Salienta que por terem ardido áreas de urze e outras espécies endémicas da floresta Laurissilva, tendo em conta que arderam fragmentos desse coberto florestal, teremos regredido 20 anos na preservação, sem contar os efeitos na erosão causado pelas perdas hídricas que alimentam as levadas e a de retenção de água, crucial em toda a rede hídrica da ilha.
A floresta que temos na Madeira não é a floresta original que Gonçalves Zarco viu, recordou, mas sim uma já de segunda geração. Temos uma floresta a aumentar, ao contrário do que se pensa, garantiu, ou seja está a crescer mas não com as espécies desejáveis. O verde que está a crescer, infelizmente, não nos deixa felizes, porque é um tipo de vegetação que preocupa, porque são muito sensíveis aos aluviões. É preocupante ver o tipo de floresta que cresce à volta das zonas urbanas, apontou.
Lembra 2016 na zona do Rabaçal em que um corta-fogo feito pelos bombeiros na Laurissilva e a verdade é que essa área não ardeu, tendo o fogo sido estancado por várias vezes nessa zona. O que revela um comportamento extraordinário, ao contrário das plantas pirófilas que tomam conta da costa sul da ilha.
É importante fazer a monitorização frequente da evolução das espécies em toda a ilha, advertiu. Questionado se poderão ter sido extinguidas espécies conhecidas ou não conhecidas, o especialista começou por garantir que o arquipélago da Madeira é a mais importante da Macaronésia em termos de biodiversidade, mas desconhece que tenham desaparecido espécies, embora a sua área de expansão tenha sido reduzida. Se tivéssemos mais tempo e mais meios, mais espécies estariam na lista de espécies endémicas da Madeira. Continuamos a encontrar espécies e características das que são conhecidas, inclusive algumas que eram consideradas do continente e hoje são exclusivas da Madeira e outras que eram partilhadas com os Açores e, afinal, são apenas da Madeira.
Miguel Sequeira, que foi um dos impulsionadores da criação do Instituto de Florestas e Conservação da Natureza (IFCN), até propôs que os elementos sapadores que vieram do continente e que tiveram uma acção extraordinária, ainda mais eficaz como frisou em 2016, poderiam estar alocados na Madeira, se tal fosse possível, na época de incêndios. E ainda garantiu se é impossível o combate aos fogos em zonas de declive acentuado, também é impossível aos biólogos chegar às zonas afectadas para perceber se houve espécies endémicas destruídas. Teremos perdido a capacidade de erradicar as espécies invasoras, mas não significa que tenhamos perdido a capacidade de lutar, nomeadamente impedir que entrem mais, nomeadamente vírus, bactérias e insectos que podem, um dia, vir a afectar as espécies endémicas, cujas consequências financeiras podem ser gigantescas.
O ex-director regional deu, ainda, 'ideias' para, legislativamente, os deputados agirem. Isto porque recordou que um proprietário de um terreno que tenha espécies exóticas não as pode cortar sem autorização. Ou seja, tem de pedir licença para fazer o que, na prática, seria um bem maior com a eliminação de espécies indesejáveis.