Retroactivo
Esta palavra provoca nos portugueses sensações diversas. Num País em que o peso do Estado se faz sentir a diversos níveis, os retroactivos estão ligados, no entendimento da maioria, ao acerto de contas após uma decisão sobre remunerações, sejam salários, pensões ou outros.
E o modelo não varia: na sequência de uma decisão de actualização de vencimentos, estabelece-se uma data a partir da qual a nova tabela é passada à prática, ou seja, quando o valor devido deveria ser depositado na conta do contemplado.
Com as habituais delongas da Administração Pública, podem passar-se meses até que pingue, na conta bancária, o almejado aumento.
No caso de demandas judiciais, podem passar-se anos até os retroactivos fazerem a sua aparição. Mas com uma particularidade: o Estado, tão diligente a cobrar juros de mora aos atrasados, ignora olimpicamente igual direito aos seus cidadãos...
Com o nosso lado masoquista endémico, até gostamos disso: após longa espera, lá vêm os retroactivos, que permitem comprar um frigorífico, pintar a casa ou fazer férias cá dentro. Acaba por ser um sistema de poupança forçada, sem direito a juros.
Há outros casos de retroactividade, mas com regras bem diferentes.
Por exemplo, é um princípio do Direito a não retroactividade das Leis. Este conceito vem dos velhos romanos: nullum crimen sine lege (não existe crime sem lei que o defina). Assim sendo, as leis com efeitos retroactivos surgem apenas em contextos excepcionais. Como no caso dos crimes de guerra dos nazis e japoneses, ou na sequência de revoluções, como no caso português, em que ninguém sabia como julgar os agentes da PIDE/DGS, na falta de testemunhos dos crimes cometidos à porta fechada.
Questão importante. As revoluções são pontos de rotura, sejam as de 1383, 1640, 1820, 1910, 1926 ou 1974, para falar só das mais conhecidas.
Todas elas têm uma coisa em comum: após o início, têm um percurso tortuoso até atingir novo equilíbrio. Que é obtido através de limites à esquerda e à direita, entre girondinos e montanheses, entre blancos e colorados, e assim por diante. Salvador Allende disse que à sua esquerda não havia nada; e foi o que se viu.
A nossa experiência “recente” (o que são cinquenta anos para um País com nove séculos?) viu o extremar de posições, durante o chamado “Verão Quente”, que poderia ter conduzido a uma guerra civil.
Assim não aconteceu, tivesse sido pelos “brandos costumes”, por natural bom senso, por interferência estrangeira, ou por tudo junto.
Mas foi encontrado o tal limite à esquerda, como tinha já sido encontrado à direita, que iria pautar a nossa organização social e política, no âmbito da nossa vocação europeia, mas aberta ao Mundo.
Com a aprovação da Constituição entrou-se na normalidade democrática, onde a retroactividade das normas não tem lugar. Pelo que a anunciada comemoração do 25 de Novembro deveria ter sido pacífica: a evocação do limite à esquerda da nossa Revolução.
Mas eis senão quando aparece uma nova teoria: o 25 de Novembro de 1975 possibilitou o 25 de Abril de 1974. Sendo impossível abstrair o anacronismo, há que encontrar outra explicação. Complicada, para quem foi criado no espírito da filosofia greco-romana.
Esta nova (?) interpretação será como se o corolário fosse formulado antes do teorema...